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Quando a mídia fica na moita

Posições que interessam a empresários da mídia começam a ser ocupadas no Congresso. Estarão em jogo assuntos que passam longe do noticiário

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Desde a Constituição de 1988 o Congresso Nacional é co-responsável, com o Poder Executivo, pelas concessões e renovações de concessões de radiodifusão, além de ser o co-formulador das políticas públicas de comunicações e decidir diretamente sobre elas. A cada legislatura, portanto, assume uma enorme importância definir quem serão os membros da Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), da Câmara dos Deputados, instância primeira – e muitas vezes terminal – na apreciação dos projetos de lei e políticas do setor.

Existem na CCTCI situações de conflito de interesses. Não só em relação aos eventuais doadores de campanha, mas, sobretudo, em relação aos integrantes da comissão que são concessionários dos serviços públicos de radiodifusão. Essa condição, inclusive, diferencia os membros concessionários da CCTCI de outros parlamentares que eventualmente tenham recebido doações de campanha de grupos empresariais com interesse direto em sua atuação parlamentar. Na
CCTCI o interesse muitas vezes é também do próprio deputado concessionário. Tem sido assim ao longo dos anos.

Estão na atual comissão figurinhas carimbadas, como Eunício de Oliveira (PMDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), José Rocha (PFL-BA), Vic Pires Franco (PFL-PA) e Paulo Bornhausen (PFL-SC), todos com ligações com a radiodifusão. O tema, em geral, não merece a atenção da grande mídia. Este ano passou praticamente despercebida a criação pelo plenário do Senado Federal, no dia 7 de fevereiro, da nova Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CC&TICI), desmembrada da antiga Comissão de Educação, na qual existia uma Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro, Música e Comunicação Social.

Compete à nova CC&TICI opinar, entre outros temas, sobre proposições pertinentes a política nacional de ciência, tecnologia, inovação, comunicação e informática; organização institucional do setor; propriedade intelectual; comunicação, imprensa, radiodifusão, televisão, outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; regulamentação, controle e questões éticas referentes a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, inovação tecnológica, comunicação e informática e outros assuntos correlatos. Sem dúvida, um leque impressionante de temas.

Houve protestos contra a criação da CC&TICI. O senador Flávio Arns (PT-PR) – que acabou membro da Comissão – chegou a afirmar que a iniciativa “fazia parte da negociação de cargos ocorrida no início desta legislatura”. Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Associação Nacional de Biossegurança e a Associação Brasileira de Propriedade Industrial também protestaram. Temem que o desmembramento provoque esvaziamento e a desarticulação dos temas que estão em andamento na atual Comissão de Educação.

O novo presidente da CC&TICI é o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), suplente do atual ministro das Comunicações, Hélio Costa, historicamente vinculado às Organizações Globo. O vice-presidente é o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), de conhecidas ligações com a Rede Record. Entre seus membros estão Sérgio Zambiasi (PTB-RS), Maria do Carmo Alves (PFL-SE), José Agripino (PFL-RN), João Tenório (PSDB-AL), Flávio Arns (PT-PR), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Mão Santa (PMDB-PI).

Será útil prestar atenção aos passos dessas comissões para poder verificar, mais adiante, até onde vai a sede fiscalizadora dos empresários de comunicação. A grande mídia sempre evita falar sobre si ou tratar de questões a ela diretamente relacionadas. Por quê? O primeiro compromisso da mídia e de seus jornalistas é com o interesse público. Ou não é?

Venício A. de Lima é jornalista e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília. Autor de Mídia: Crise Política e Poder (Editora Fundação Perseu Abramo)