Ponto de Vista

Ricos, pobres e a CPMF

As oligarquias descendem de senhores de engenho e conservavam poder trocando votos por comida. Ações como Bolsa Família, ProUni e acesso à saúde as condenam ao desaparecimento

José Cruz/ABr

Senadores comemoram o fim da CPMF

Três fatos encerraram o ano: a votação insuficiente para a prorrogação da CPMF no Senado (faltaram quatro votos), o aumento da confiança do país em Lula, segundo o Ibope, e a revelação, pela Folha de S.Paulo, de que 20 milhões de brasileiros deixaram as classes E e D, migrando para a classe C.

Os grandes interesses financeiros e industriais de São Paulo se mobilizaram a fim de garantir a extinção do tributo. Embora a alíquota fosse de apenas 0,38%, a contribuição tinha efeito colateral indesejável aos ricos. Como incidia sobre todas as operações de transferência de dinheiro, o cruzamento das informações permitia a identificação dos sonegadores e dos fraudadores. Era mais fácil identificar os laranjas, freqüentemente usados para a lavagem de dinheiro sujo, e ficava mais difícil o uso de CPFs falsos.

Foi por estar em vigência a CPMF que a receita fiscal aumentou nos últimos anos. Não que só a CPMF pudesse amedrontar os fraudadores e sonegadores. Ela já estava em vigência, quando ocorreram escândalos financeiros espantosos, entre eles o do Banestado, no governo dos tucanos. O que amedrontou os criminosos foi a soma de dois fatores: de um lado, a possibilidade do rastreamento do dinheiro ilícito e, do outro, a decisão de combater a fraude. Assim, o povo brasileiro pôde assistir a elevados senhores serem algemados e levados, de camburão, para os presídios. A Polícia Federal invadiu templos de consumo dos milionários, como a Daslu, recolhendo documentos comprobatórios de fraude fiscal, contrabando e falsificação de documentos.

Sonegadores passaram a pagar regularmente seus impostos – embora alguns, mais atrevidos, permaneçam devedores. Outros, ainda, mediante manobras jurídicas e vários expedientes, empurram para o futuro o pagamento da dívida para com o Tesouro, à espera de providências que os beneficiem.

Por isso, os mal chamados “Democratas”, sob liderança de José Agripino (RN), foram, com Artur Virgílio (AM) e Tasso Jereissatti (CE), do PSDB, os mais intransigentes inimigos da CPMF. Sua origem ideológica se encontra em 1937, com a União Democrática Brasileira, criada pelo paulista Armando Salles de Oliveira, para combater Getúlio Vargas. Ela se transformaria mais tarde na União Democrática Nacional, de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Foi essa UDN que, sob o comando de Lacerda, levou Vargas ao suicídio, em 1954, e os militares ao poder dez anos depois. Em seguida, com o nome de Arena, manteve submissão absoluta à ditadura. Com a pluralidade partidária, transformou-se em PDS, e mais tarde em PFL. Com a recente erosão da sigla, os pefelistas buscaram mais um novo nome: “Democratas”.

São os mais ferrenhos representantes das oligarquias nordestinas. Quase todos os seus líderes descendem de senhores de engenho, que têm governado seus estados com mão de ferro, submetendo o povo à miséria. Até agora, eles se conservavam no poder trocando votos por comida em tempo de eleições. O programa Bolsa Família e o ProUni, e melhor atenção à saúde, os condena irremediavelmente ao desaparecimento como grupo de mando. É por isso que usam de todas as manobras para sabotar o governo. A eles não importa que – conforme advertiu dona Zilda Arns – a mortalidade infantil volte a crescer e os idosos morram nas filas dos hospitais. Nem que portadores de HIV e enfermos de hepatite C e de hemofilia deixem de receber medicamentos.

Os 20 milhões de brasileiros que, nos últimos cinco anos, passaram a viver bem melhor do que antes foram beneficiados diretamente pela CPMF. E é exatamente isso – a redenção dos pobres – que os “Democratas” querem impedir. Quanto ao PSDB, sua posição se deve à influência direta do ex-presidente sobre a bancada, mediante Virgílio e Jereissatti. Sob mando do senhor Fernando Henrique e de seu acólito Geraldo Alckmin, o PSDB não tem lugar para Aécio, nem para Serra, e a cisão o condenará ao destino do PFL. No fundo, tanto o mineiro quanto o paulista estão hoje mais próximos de Lula do que da ala direita dos tucanos.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil e articulista de diversas publicações