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Sinais de uma nova TV

Uma TV pública independente do mercado e dos governos de plantão. Capaz de gerar informação de qualidade, cultura, prazer e alcançar audiência sem ser movida a baixaria. A missão parece impossível, mas começa a ser levada adiante

Marcello Casal Jr/ABr

1º Fórum de TVs Públicas – O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, defendeu o aumento da presença de produções independentes na programação

O que passa na televisão facilmente vira assunto. Dependente do modelo da audiência a qualquer preço, a TV submete seu conteúdo à lógica do espetáculo e do mercado. A tela colorida, presente em 92% dos lares do país, orienta padrões de consumo, debates políticos e para muita gente é a única forma de acesso a informação e cultura. Quem pode paga em média 80 reais mês por um serviço por assinatura, com dezenas de canais públicos e privados, nacionais e internacionais, e monta sua janela para o mundo audiovisual. Quem não pode serve-se do conteúdo das emissoras nacionais de TV aberta, a maioria privada.

A Constituição prevê que os sistemas públicos, estatais e privados na comunicação se complementem, mas o que ocorre hoje no Brasil é um domínio explícito. O setor privado comercial detém 81% dos canais, alcança mais de 90% da audiência e abocanha 95% das receitas geradas pela atividade. E não aceita rediscutir as regras para utilização das concessões públicas. Impõe-se como bloco de poder, se auto-regulamenta e rejeita mudanças, sob a alegação de que seriam ameaças à “liberdade de expressão”.

Paralelo a isso, existe no Brasil um conjunto de TVs que, em tese, deveria trabalhar mais próximo do interesse dos cidadãos, e não do mercado. São as TVs públicas, estatais, universitárias, legislativas, comunitárias. Até agora, as emissoras públicas tiveram em sua maioria histórias ligadas a conteúdos cansativos, monótonos, de baixa qualidade, à ausência de regras públicas e a ingerências políticas dos governantes de plantão – que definem o orçamento e o comando de acordo com seus interesses.

Os modelos existentes hoje não conseguiram inovar na linguagem nem consolidar uma programação diferenciada da TV comercial. Têm baixa capacidade de formar cidadãos críticos. A situação reflete um descaso de anos. Diferentemente do que ocorreu em países como Inglaterra, Japão e França, aqui a TV pública só surgiu em 1968, quase duas décadas depois da comercial, sem originalidade e dependente de governos e entidades por eles influenciadas.

“Nosso sonho é que daqui a alguns anos a TV comercial passe a imitar a pública, como esta fez durante tanto tempo”, diz o presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), Fernando Dias. Depois de ver o debate sobre mudanças na comunicação, como o da Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Ancinav), ser massacrado por interesses das grandes emissoras, integrantes do governo e da sociedade civil impulsionaram a rearticulação do setor público. A discussão sobre o papel social da televisão teve seu auge no 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em Brasília no mês passado.

“As pessoas não deveriam ter de pagar para ter acesso a programas de qualidade. Queremos competir na qualidade e no profissionalismo. Precisamos ter uma TV que as pessoas tenham prazer de ver. Nós vamos fazer uma TV pública”, disse o presidente Lula, no encerramento do Fórum.

Incentivar um novo padrão público de comunicação é, para o governo e estudiosos, apostar no novo, na ousadia da linguagem e na interatividade. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, defende o aumento da presença de produções independentes na programação. “Vocês podem imaginar o que são 30 horas de produção independente, o que isso significa em termos de explosão de criação de talento, de gente que não encontra espaço em outro lugar para aparecer?”, pontuou o ministro.

Para garantir que esse novo modelo discutido não esteja preso ao governo ou ao mercado, representantes da sociedade civil propõem sistemas de controle social, como os existentes em outros países. Segundo Martins, nesses países o conselho é nomeado, em geral, pelo governo com “pessoas representativas de diferentes setores da sociedade”. Para João Brant, integrante do Coletivo Intervozes de Comunicação, a escolha dos representantes do conselho deveria ser feita apenas pela sociedade. O governo anunciou que haverá um conselho gestor com participação social, mas ainda não detalhado.

Uma medida que servirá de base para a nova emissora pública de televisão é a fusão entre Radiobrás e TVE, sistemas que contam com alguns canais de televisão e de rádio e se relacionam com afiliadas e emissoras educativas de todo o país. A estrutura dessas instituições será a base da rede pública e a fusão deve ocorrer até 2 de dezembro, quando começa a entrar em operação o sistema de televisão digital no Brasil.

O coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília, Murilo César Ramos, vê ganhos nesse modelo. “Se conseguirmos articular Radiobrás e TVE com essa multiplicidade de canais que se tem hoje com produção universitária, comunitária, Câmara, Senado, e se existir a partir do ano que vem uma alternativa pública em rede, será fantástico”, aposta.

O resultado dos debates do fórum foi entregue ao presidente Lula e ao ministro Franklin Martins. A expectativa está em saber como as contribuições do encontro serão utilizadas pelo governo e o quanto desse debate será concretamente aproveitado na formulação dessa nova rede.