Ponto de Vista

Soberania e união nacional

Quando uma casa se encontra ameaçada, seus habitantes devem ter como prioridade a defesa de sua vida e de seu patrimônio

marcelo casal/abr

Quando uma casa se encontra ameaçada, seus habitantes devem ter como prioridade a defesa de sua vida e de seu patrimônio

O governo brasileiro anunciou, no fim de maio, ter vetado o projeto de uma agência do governo norte-americano, a Usaid, de coordenar e dirigir a ação de 26 organizações não-governamentais na Amazônia. Passo a passo, os norte-americanos vêm, desde o fim do século 19, insistindo em ocupar o grande território, a fim de explorar suas riquezas naturais. No plano que eles pretendiam agora executar, as organizações não-governamentais, sob a chefia da Wildlife Conservation Society, assumiriam o controle de amplas zonas fronteiriças, sobretudo daquelas em que existem, nos dois lados, tribos indígenas de etnia comum. É a velha estratégia de promover o reconhecimento do direito desses indígenas a dispor de Estados nacionais próprios sobre os territórios que ocupam e, em seguida, promover a “independência” dessas regiões, sob a proteção militar dos Estados Unidos.

A nova estratégia do imperialismo norte-americano, depois da Guerra Fria, funda-se no “zoneamento” do mundo, a partir da identificação de uma cultura comum, ou de problemas comuns (conforme o minucioso estudo de Guilhermina S. Seri, da Universidade da Flórida, On Borders and Zoning: The Vilification of the “Triple Frontier”, preparado para a Associação de Estudos da América Latina, do Texas). Dentro dessa estratégia, as fronteiras nacionais deixam de existir. Em seu lugar, surgem as “zonas” fronteiriças. Essas zonas são, naturalmente, áreas de encontro e de fusão das culturas dos Estados confinantes, o que configura quase uma terceira identidade, formada pelas duas, ou mais, originais.

Em alguns casos, e este é o da tríplice fronteira, a imigração de cidadãos procedentes de outros continentes contribui ainda mais para essa singularidade. Washington se acha no direito de identificar essas zonas em qualquer lugar do mundo e ali impor sua ordem. Primeiro, entra na área de forma dissimulada (com pessoal civil, técnicos, cientistas, educadores) a pretexto de “ajudar” os governos dos Estados fronteiriços. Em seguida, promove atos de provocação nos dois lados da fronteira, de forma a excitar sentimentos de rivalidade comuns a essas áreas. Vem então o pretexto para a intervenção direta – “proteger” os nativos na área e na necessidade de impor-se ali a ordem pública.

Governos anteriores abriram caminho à penetração dessas ONGs nascidas do Consenso de Washington. Elas nada têm de “não-governamentais”. Na verdade, estão subordinadas aos interesses dos países que representam. A Wildlife Conservation Society, que está à frente do projeto brasileiro, é subordinada, na prática, ao Departamento de Estado norte-americano. Fundada no início do século 20 para cuidar do Zoológico do Bronx, em Nova York, ela foi patrocinada pelo presidente (1901-1909) Ted Roosevelt, famoso caçador e autor da doutrina segundo a qual os EUA podem intervir em qualquer país das Américas, a seu juízo. Na época, o adjetivo “imperialista” tinha sentido elogioso.

Quando uma casa se encontra ameaçada pelos ladrões, seus habitantes devem ter como prioridade a defesa de sua vida e de seu patrimônio. É o que está ocorrendo agora. Sem prejuízo da defesa de seus interesses, fariam bem os trabalhadores brasileiros em empenhar-se, em seu sindicato e em sua cidade, no apoio imediato à decisão tomada pelo Ministério da Defesa e pelo Itamaraty de impedir a violação da soberania nacional.

Vale a pena conhecer os objetivos da Wildlife, expostos em seu site na internet – www.wildlifeconservation.org. No que toca ao Brasil, eles confessam, sem corar, que procuram impedir a plena utilização dos recursos naturais pelo povo brasileiro, entre eles o aproveitamento hidráulico para a produção de energia elétrica. E que já controlam, diretamente, grande parte do território brasileiro, “administrando” reservas no noroeste amazônico e no Pantanal Mato-Grossense.

Mauro Santayana é colunista da Revista do Brasil