cidadania

Sonhos restaurados

Ensinando jovens a recuperar seu patrimônio histórico, o Recife aprende a preservar seu patrimônio humano

paulo pepe

Os jovens restauradores: Mércia, Monique, Germano e Renato

Ao caminhar pela cidade em busca de uma vaga de atendente em lanchonete, Germano Oliveira do Nascimento, de 23 anos, não se preocupava com a paisagem em seu entorno. A metrópole que exala história não lhe dizia nada. Quando notava uma construção decadente até pensava: “Por que essa porcaria não cai logo?” Hoje Germano vê a cidade com outros olhos. Ele é um dos 280 diplomados pela Oficina Escola para Restauração de Bens Imóveis dos Sítios Históricos do Recife.

Iniciada em 2003, a Oficina conta com recursos do Plano Nacional de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego – e tem impulsionado a vida de jovens moradores nas comunidades pobres das regiões centrais do Recife, onde se encontram baixo Índice de Desenvolvimento Humano e alto índice de violência. O projeto está incluído no sistema público de empregos, ferramenta que faz a intermediação entre a capacitação profissional e as necessidades de mão-de-obra local.

No decorrer do curso são mapeados lugares que precisam de restauro e preservação na própria comunidade dos alunos. “Isso faz com que eles se sintam, de fato, agentes de mudança”, afirma Tereza Jacinta Constantino Cavalcanti, diretora de Promoção do Trabalho e Renda da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Recife. As duas primeiras turmas do curso trabalharam no casario da Rua Velha, onde foram restauradas 24 casas pela turma de 2003 e outras 16 pela turma de 2004-2005.

“Quando descobri que Santa Cecília é padroeira dos músicos, fiquei até emocionado”, diz Renato Inácio da Silva, 20 anos, um jovem violonista que se especializou em cantaria, ofício muito antigo, quase em vias de extinção, que se refere aos trabalhos com pedras calcárias e areníticas nas edificações. Junto com Renato, Mércia Maria da Silva, 20 anos, reconstruiu a cruz roubada da igreja. Os dois fazem parte da turma de 2006 que se dedicou à restauração da Igreja de Santa Cecília. A construção é de 1683 e o prédio restaurado foi entregue no último dia 17 de abril. “Eu não dava valor a isso. Hoje, quando a gente vê o trabalho pronto, pensa em tudo o que poderia ser feito, tanto casarão para restaurar…”, diz Mércia, já com novas perspectivas. Ela e Renato projetam a criação de uma cooperativa de restauro, também com a ajuda da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.

Segundo os responsáveis pelo programa, que continuam a acompanhar os jovens após sua passagem por lá, um dos bons efeitos colaterais do projeto, além da qualificação profissional, é a elevação da escolaridade, já que só pode participar quem permanece na escola. É perceptível para os alunos, também, a abertura imediata de possibilidades. Monique Monteiro Bezerra, de 18 anos, especializada em estuque, diz: “Não tinha emprego nem perspectiva. Agora quero trabalhar e cursar Psicologia”.

A colocação no mercado de trabalho não é simples. Os contratados por empresas especializadas chegam a 30 profissionais. Outros atuam como free-lancers, outros desistem. Mas algumas parcerias estão sendo formadas e já há a busca da alocação dos jovens restauradores em projetos dos prédios dos Correios, da Igreja Madre de Deus, da Associação Comercial, da Fundação Real, do Palácio do Frevo e da Bolsa de Valores.

A expectativa faz com que os jovens restauradores enxerguem possibilidades para mudar a própria trajetória, apesar do ambiente de dificuldades. “As drogas predominam aqui, e a gente não quer isso. Vimos no curso uma forma de nos afastarmos dessa vida”, relata Germano, que quer cursar Serviço Social – e continuar descobrindo os segredos que sua cidade tem para contar.

Projeto premiado
A Oficina Escola para Restauração de Bens Imóveis dos Sítios Históricos do Recife tem carga horária de 1.000 horas em 6 meses. Os 70 alunos de cada turma recebem ajuda de custo de 150 reais mensais e têm aulas de História da Arte, Desenho Técnico, Educação Patrimonial, Educação para a Cidadania, além de fazer visitas técnicas de observação. Os ofícios disponíveis são: Alvenaria, Estuque, Cantaria, Marcenaria, Carpintaria, Pintura, Serralharia e Forja. Os cursos são ministrados pelo Centro de Trabalho e Cultura, entidade especializada na formação desse público-alvo. Depois das oficinas há o acompanhamento dos jovens para verificar sua permanência na escola e ajudar na intermediação para seu ingresso no mundo do trabalho. Em 2005 o projeto recebeu o Prêmio Gestão Pública e Cidadania, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e da Fundação Ford, com o apoio do BNDES.