Ponto de Vista

Tancredo e os trabalhadores

Os trabalhistas nunca esqueceram a lealdade de Tancredo a Getúlio, durante o cerco reacionário que o levou ao suicídio em 24 de agosto de 1954

Tancredo Neves morreu em 21 de abril de 1985 – há 25 anos. No dia 4 de março, teria feito 100. Nenhum outro brasileiro teve seus dias finais acompanhados com tamanha ansiedade e sofrimento, e nenhum outro teve seu féretro, que percorreu as ruas de três capitais (São Paulo, onde morreu, Brasília, onde recebeu as honras de chefe de Estado, e Belo Horizonte) antes do sepultamento em São João del Rei (MG), acompanhado por multidões em emocionado silêncio.

Ao lembrar o grande líder, responsável pela transição pacífica da ditadura ao Estado de Direito, é necessário resgatar sua profunda ligação política com os trabalhadores brasileiros. Tancredo começou sua carreira política, em São João del Rei, aos 24 anos, ao se eleger vereador com os votos dos ferroviários daquela cidade – sede das oficinas da Rede Mineira de Viação, uma das mais extensas do Brasil.

Por ter sido o mais votado, tornou-se, de acordo com as regras da República Velha, presidente da Câmara e chefe do Poder Executivo municipal. O governo de Tancredo no município durou pouco. Em 10 de novembro de 1937, três anos depois, o Estado Novo fechou todas as Câmaras Municipais, todas as Assembleias Legislativas, o Senado e a Câmara dos Deputados. Compulsoriamente fora da política, coube a Tancredo abrir seu escritório de advocacia – e seus primeiros clientes foram os ferroviários, dos quais recebia honorários simbólicos. Poucos meses depois, com os salários atrasados em mais de quatro meses, eles entraram em greve. Era uma situação muito difícil, os empregados públicos não podiam sindicalizar-se e não tinham o direito de greve.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, em 26 de novembro de 1978, logo depois de eleito para o Senado, Tancredo se referiu àquele período: “Ao mesmo tempo em que me fiz advogado dos ferroviários da Rede Mineira de Viação, assumi outras causas, mais ou menos rendosas, com as quais pude ganhar algum dinheiro, casar-me e formar uma razoável base eleitoral. Até hoje tenho entre os ferroviários de Minas dedicados amigos. Em 1938, o pessoal entrou em greve. A polícia recebeu ordem de prender todos os líderes – e também seu advogado. Fomos levados para Belo Horizonte, onde fiquei detido por 48 horas. Não foi um episódio forte, a não ser por sua singularidade em minha biografia. Fui bem tratado. Mas a greve, sim, foi um acontecimento. As mulheres, em pleno Estado Novo, deitavam-se sobre os trilhos, para impedir o avanço das locomotivas. E o pagamento, atrasado de quatro meses, saiu. Esse tempo de advogado foi muito importante para o meu futuro”.

Em 1947, e, daquela vez com expressiva votação dos ferroviários de todo o Estado, Tancredo se elegeu deputado à Assembleia Constituinte de Minas, pelo PSD. O PTB, de Vargas, tinha apenas cinco deputados. Tancredo – relator da Constituinte e, mais tarde, líder da oposição ao governo udenista de Milton Campos – sempre os ouvia, e contou com os votos da bancada trabalhista, tanto para exercer a oposição quanto para a elaboração da Constituição estadual.

Eleito para a Câmara dos Deputados em 1950, Tancredo fazia parte da maioria, com base na aliança entre o PSD, a que pertencia, e o PTB. Um dos articuladores dessa coligação parlamentar, ele a defendeu durante todo o período, como ministro da Justiça de Getúlio e na vitoriosa campanha que elegeu Juscelino, em outubro de 1955.

Os trabalhistas nunca esqueceram a lealdade de Tancredo para com Getúlio, durante o cerco reacionário contra o presidente, que o levou ao suicídio em 24 de agosto de 1954. Ministro da Justiça de Vargas, foi sua – seguindo a do presidente – a segunda assinatura na sanção da lei que criou a Petrobras. Primeiro-ministro de Jango, foi incansável defensor das reformas de base.

Na madrugada de 1º de abril, avançou contra o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, quando este consumava o golpe, ao declarar vaga a Presidência da República com Jango em território nacional. Dissolvidos os partidos, Tancredo trabalhou para reunir os quadros progressistas do PSD aos trabalhistas de Getúlio, a fim de formar o MDB, na oposição ao governo militar. No centenário de seu nascimento é importante lembrar essa sua ligação de vida inteira com os trabalhadores brasileiros.

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