história

Um caminho para o futuro

O Fórum Social Mundial inaugurou, de fato, o século 21 ao alertar os tecnocratas da economia que existe vida além das suas cartilhas e que outro mundo é possível. Este ano, estará em primeiro plano a luta contra a miséria e as guerras na África

Gerardo Lazzari

Detalhe da marcha de abertura do Fórum Social de 2005, o último realizado em Porto Alegre

A sétima edição do Fórum Social Mundial – que acontece neste janeiro em Nairóbi, no Quênia – é de difícil compreensão para quem dele não tenha participado pelo menos uma vez. A maior parte da imprensa conservadora sempre o tratou com desdém. Muitos partidos de esquerda, sindicatos e organizações não governamentais o vêem como espaço de proselitismo, onde vão levar suas propostas e conquistar adeptos. Mas o Fórum é muito mais que isso. É um processo. Aberto oficialmente em 2001, em Porto Alegre (RS), esse processo pode ser chamado de A Reinvenção do Futuro (título de um documentário da agência de notícias Carta Maior sobre o conjunto dos fóruns).

Ao final do século 20 as utopias se encontravam na UTI – para não dizer sarcófago – da história. Imperava no mundo o pensamento único consolidado no Consenso de Washington: transformar o Estado num caçador e desregulamentador de direitos. O conceito de cidadania fora carcomido pelo de consumidor e os mercados – sobretudo financeiros – foram alçados a uma suposta condição de panacéia universal para os males do planeta. A Organização Mundial de Comércio (OMC) passou a ONU para trás. E o pólo desse consenso era o Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em janeiro, em Davos, Suíça, reunindo representantes de governos, atores econômicos e pensadores desse modo de ver o mundo. Mas os protestos não desapareceram. Dois deles se tornaram célebres – em Gênova, Itália, e em Seattle, Estados Unidos – durante reuniões da OMC. No primeiro, um estudante morreu nos confrontos com policiais.

Nesse clima de desconforto endêmico, algumas ONGs, como a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos (Attac), com presença forte na Europa e América Latina, e a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), entre outras, tomaram a iniciativa de chamar um fórum que reunisse correntes de pensamentos alternativos e controlado por essas organizações.

Como sede para reunião de tal natureza escolheram a cidade de Porto Alegre. A cidade era governada por uma administração popular (liderada pelo Partido dos Trabalhadores) e havia colocado em prática políticas sociais consideradas exemplares por organismos internacionais. Assim, em janeiro de 2001, simultaneamente ao fórum de Davos, ocorria a primeira edição do Fórum Social Mundial (FSM).

A maior parte da imprensa brasileira o ignorou solenemente. Mas a surpresa foi enorme. Esperavam-se 5 mil pessoas. Compareceram 20 mil delegados, além de 700 jornalistas do mundo inteiro. O FSM foi a “descoberta de que não estávamos sozinhos”. Milhares de sessões de debates formaram-se e discutiram outras tantas propostas e projetos que vinham sendo pensados, no mundo inteiro, como alternativas às de Davos e ao Consenso de Washington. As vozes que discursavam nos Alpes suíços descobriram que não falavam mais sós no planeta.

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Mundo possível

Para a segunda edição, apareceram mais de 60 mil pessoas. Entre outras atividades, realizou-se uma tensa discussão via satélite entre Davos e o fórum de Porto Alegre, que ganhou este nome ao lado do oficial, transformando a cidade em berço do século 21 e em estuário das alternativas ao consenso conservador. O lema ganhou visibilidade planetária: “Um outro mundo é possível”. Na prática, o fórum de Porto Alegre passaria também a pautar o de Davos, pois este começou a incluir “agendas sociais” em sua programação.

A terceira edição do FSM, em janeiro de 2003, atraiu mais de 100 mil pessoas. Sua abertura foi uma gigantesca marcha pela paz que tomou conta da cidade e alguns de seus bairros, em direção ao anfiteatro Pôr do Sol, à beira do rio Guaíba. Era iminente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e aliados. O fórum entrava na discussão da política mundial e, sem se tornar um organismo partidário, se politizava mais e mais. A quarta edição, em janeiro de 2004, realizou-se em Mumbai, na Índia, novamente com mais de 100 mil pessoas; ganhou em expressividade popular e abriu novos espaços pelo mundo.

Em janeiro de 2005, quando o Fórum retornou a Porto Alegre, 250 mil pessoas tomaram a cidade, lotando a rede hoteleira num raio de 150 quilômetros em torno daquela “capital do mundo”. A sexta edição, em janeiro de 2006, teve três partes. A primeira em Bamako, no Mali (África). A segunda, mais concorrida, em Caracas, na Venezuela, e a terceira em Karashi, no Paquistão. Agora, a sétima edição vai para Nairóbi, onde os temas africanos, notadamente os da fome, das guerras locais e da permanência de traços colonialistas e imperialistas, subirão a primeiro plano.

O FSM também deflagrou uma série de fóruns temáticos ou regionais a ele ligados: o Fórum Social Europeu, o Fórum Mundial da Educação, o Mundial de Juízes, o de Teologia e Libertação, o Mediterrâneo, o Brasileiro, o da Oceania, o Africano, o Pan-Amazônico e assim por diante. Ele continua com suas marcas de nascença: não é uma nova internacional partidária, como foi a comunista, e ainda é a socialista. Não há uma assembléia deliberativa, mas há declarações de inúmeras organizações, de todos os campos de atuação, que passaram a definir grandes orientações e balizas para as lutas internacionais em favor de um outro mundo possível. O FSM reabriu o futuro para o diálogo.