Mauro Santayana

Santayana: a segunda morte de Thatcher e o fim de um ciclo

No iniciou da carreira ela suspendeu fornecimento de leite. Sob protestos, decidiu que as crianças poderiam beber o bastante para não se desnutrir

Arquivo/JB

A reação, nas Ilhas Britânicas, diante da morte de Margaret Thatcher, e das dispendiosas cerimônias fúnebres que lhe foram dedicadas, no abril passado, pode ser vista como o prenúncio do fim de um ciclo histórico. Os quase 11 anos em que ela esteve no poder, de 1979 a 1990, foram a grande contrarrevolução histórica do século. A política conservadora, sob seu comando, não trouxe só a anulação das conquistas dos trabalhadores britânicos, ou o princípio da queda do sistema socialista, com a implosão da União Soviética, mas a anulação dos direitos fundamentais do homem.

As manifestações de protesto, repetidas em Londres e em outras cidades do Reino Unido, contra os infindáveis cortes no orçamento – iniciados pela “austeridade” de Thatcher há mais de 30 anos – foram também de regozijo pelo seu desaparecimento. “The bitch is dead”(a cadela morreu) dizia um cartaz, durante as manifestações de 13 de abril, no centro de Londres.

Thatcher foi o símbolo da brutalidade em favor dos ricos e poderosos, e em claro conluio com a Coroa Britânica, que a tornou nobre com o título de Baronesa de Kesteven. Quando iniciou sua carreira como alta dirigente da Secretaria de Educação da Grã-Bretanha, mandou suspender o fornecimento de leite aos alunos de 7 a 11 anos, com o argumento de que os pais podiam pagar. Diante dos protestos, decidiu que as crianças poderiam beber, por conta do Estado, apenas o suficiente para que não se “desnutrissem”, algo como um terço de copo do alimento por dia.

Com o conluio entre Thatcher, Reagan, João Paulo II e o Clube de Bilderberg e o controle dos grandes meios de comunicação, tornaram-se globais as reformas antissociais da Grã-Bretanha, com o objetivo de demitir o Estado de seu dever de manter o equilíbrio necessário entre o trabalho e o capital. Como disse Lord Prescott, sobre a morte da ex-primeira-ministra, ela só defendeu os multimilionários, os banqueiros, os privilegiados. Nunca mostrou a menor compaixão pelos “doentes, necessitados e desesperados”. Prescott foi o primeiro a denunciar a pompa fúnebre, que custaria 10 milhões de libras esterlinas (o equivalente a R$ 30 milhões) aos contribuintes britânicos. Ele sugeriu que apenas os multimilionários beneficiados por ela contribuíssem para o enterro.

O legado de Madame Thatcher é hoje o desemprego, a miséria, o aumento da mortalidade na infância, dos trabalhadores idosos, dos suicídios em geral, da criminalidade e do uso das drogas, entre elas os medicamentos psicotrópicos. Os pensadores lúcidos mostram que o sistema capitalista exacerbado pelo neoliberalismo ameaça hoje a sobrevivência do homem.

Todos os países, e neles se incluam a China e os emergentes, estão em risco: os políticos e os executivos dos bancos, da indústria, das multinacionais – com poucas exceções – se perdem entre o desvario da corrupção, o delírio do “mercado”, a incapacidade de administrar e a falta de credibilidade.

É nessa situação que a esperança do mundo se orienta em busca da mobilização dos trabalhadores e da juventude. Os movimentos de protesto estão privados de organizações políticas disciplinadas e de liderança intelectual. Falta coordenação, nacional e internacional, da ação dos grupos, que só as entidades de classe podem obter. Os banqueiros continuam a mandar nos poderes institucionais dos Estados e a exigir que os pobres paguem com a vida, como está ocorrendo, pela crise provocada por sua ganância – na enlouquecida especulação, na sonegação tributária, no saqueio dos povos, via paraísos fiscais, na sangria das remessas de lucros e nas fraudes já de conhecimento público.

É preciso que o Estado volte a ser Estado, o governo volte a ser governo – e o povo volte a ser povo, isto é, o autor de sua própria história.