Mouzar Benedito e a história de um funcionário exemplar

Crônica

Vicente Mendonça

No casamento de um amigo comum, conheci o Denílson, numa cidade do sertão da Paraíba, e nos reencontramos alguns dias depois em João Pessoa. Éramos quatro num fusca, chegando à capital paraibana, à noite, e bateu a dúvida: procuramos o Denílson ou não? A conclusão foi que devíamos primeiro procurar um hotel, tomar banho e depois ir ao seu encontro. Se fôssemos direto à casa dele, iria querer que todo o bando ficasse hospedado lá.

Procurando um hotelzinho no centro, entramos numa rua estreita e quase batemos de frente com um carro… que era dirigido pelo Denílson. Pronto. Não tinha jeito. Queria de todas as maneiras que ficássemos na casa dele. Propusemos que fôssemos tomar uma cerveja num boteco à beira da lagoa que fica no centro da cidade. Lá, pensamos, explicaríamos que preferíamos ficar num hotelzinho. Enquanto bebíamos cerveja, alguém nos avisou:

– Arrombaram o fusca de vocês.

Um ladrão levou tudo o que tínhamos de valor. Nunca pensaríamos que nós, que nunca tínhamos sido roubados em lugar nenhum, passaríamos por essa situação na pacata João Pessoa do início de 1978. E o Denílson: sem dinheiro, teríamos de ficar mesmo na casa dele.

No dia seguinte, fomos à delegacia dar queixa, para pelo menos apresentar o boletim de ocorrência ao Banco do Brasil e tentar recuperar a grana de uns cheques de viagem. Na delegacia, ninguém dava bola para nós. Falamos do local onde o fato tinha acontecido e um policial exclamou: “É o aleijadinho da lagoa”. Ficamos sabendo então que um sujeito que andava sentado num carrinho de rolimã atuava na região da lagoa, roubando mixarias de turistas.

E o delegado nem tchum pra nós. Explicamos a ele que precisávamos do boletim de ocorrência para poder continuar a viagem, pois nas bolsas levadas estavam as carteiras de motorista de dois dos quatro ocupantes do fusca. E também, caso ele se dispusesse a pegar o aleijadinho, poderíamos recuperar alguns pertences de valor.

Aí ele já se interessou. Perguntou o que havia nas bolsas. Máquinas fotográficas, cheques de viagem, dinheiro vivo e outras coisas pessoais. Os olhos dele começaram a brilhar diferente. Mas ainda quis achacar a gente:

– Nós estamos sem combustível e sem dinheiro para reabastecer…

– Nosso dinheiro está quase todo com o aleijadinho.

Ele falou o clássico “vamos ver o que dá pra fazer”, fez o BO e nos dispensou dizendo que daria notícias se conseguissem pegar o ladrão.

Claro que pegaram, e claro que garfaram tudo!

O Denílson, além de nos dar casa e comida, saía com a gente todos os dias pra passear, nos levou a Cabedelo, Praia do Poço, Costinha, Baía da Traição… Começamos a ficar incomodados, pois ele não ia trabalhar nenhum dia. Temíamos que acabasse perdendo o emprego na repartição pública por nossa causa. Fomos conversar com ele. Explicamos a preocupação, mas ele não aceitava a hipótese de nos deixar sozinhos. Por fim, disse, pra nos tranquilizar:

– Então eu vou lá na repartição avisar que não vou trabalhar nos próximos 15 dias.

Olha só! Ia avisar que não ia trabalhar! Fomos eu e dois amigos com ele. Não havia lugar pra estacionar o carro, eles entraram na repartição enquanto eu esperava de fora, na direção, para dar uma volta, no caso de aparecer algum guarda. E demoraram. Demoraram. Mais de uma hora e não voltavam. Comecei a me preocupar. Mais um pouco e saíram os três, o Luizinho com cara de espanto, o que me fez pensar que havia dado rolo mesmo.

– E aí? – perguntei.

O Luizinho foi quem explicou, enquanto o Denílson sorria:

– Não apareceu ninguém na repartição pra ele dar o recado.