Lalo Leal: As falanges em ação
Meios de comunicação promovem a censura, com noticiários seletivos sobre manifestações, reforma política, sonegação da Globo ou democratização da mídia. Temas que ou omitem, ou distorcem
Publicado 11/08/2013 - 11h06
Final de tarde no Rio de Janeiro. Dia da chegada do papa ao Brasil. No Largo do Machado, reduto histórico de manifestações políticas, entre o Catete e as Laranjeiras, o clima assemelha-se a um happening. Em cantos diferentes da praça reúnem-se jovens católicos de várias partes do mundo, militantes do PSTU, ativistas dos movimentos LGBT (algumas moças com seios à mostra), outros com bandeiras anarquistas e, claro, os policiais em trajes de guerra. Mas cada um no seu canto, com suas armas, cartazes e palavras de ordem. Sem confrontos.
Caminho sem preocupações entre os grupos quando outro tipo de gente chama a minha atenção: homens fortes, com idade entre 30 e 40 anos, camisetas justas, circulam pela praça. Um está de luvas, outro se enrola na bandeira da CTB, uma das centrais sindicais brasileiras. Muito estranho.
Os jovens católicos continuam a cantar nas escadarias da igreja. O grupo com as bandeiras do movimento gay aproxima-se e depois segue com os demais manifestantes rumo ao Palácio Guanabara, onde Francisco é recebido. Perco-os de vista. Mais tarde soube dos tumultos às portas do palácio. Uma bomba caseira foi atirada contra os policiais. Claro que a culpa é logo atribuída pela mídia conservadora aos manifestantes.
O desmentido chega num vídeo postado na internet que revela a ação de agentes policiais à paisana provocando tumultos. A maior surpresa vem a seguir. Lá estava em frente ao palácio, sendo dobrada por um policial, a bandeira da CTB vista por mim horas antes no Largo do Machado.
A ação dos policiais infiltrados, os chamados P2, não aparece na TV. Esta, além disso, dá proteção total aos fardados. A GloboNews afirmou que um repórter da agência de notícias France Presse, visto com a cabeça sangrando em frente ao Guanabara, havia sido atingido por um coquetel molotov. O jornalista fora vítima, porém, de uma cacetada desferida por um policial. O canal reconheceu o erro muitas horas depois, quando o estrago já estava feito. Pude ouvir pessoas nas ruas atribuindo essa violência aos manifestantes, sem saber da verdade.
A reação do governo do Rio foi a pior possível. Por decreto instituiu a Comissão Especial de Investigações de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, com poderes até para exigir das empresas de telefonia e de servidores da internet a entrega de dados das comunicações feitas por qualquer pessoa. Recuou diante das reações desfavoráveis. O advogado Técio Lins e Silva chegou a comparar o decreto com as comissões de inquérito criadas na ditadura. “Está entre o delírio e o abuso de poder. É caso de impeachment, há uma violação clara de direitos constitucionais.”
A comissão foi mantida e admite investigar a ação dos infiltrados. No entanto, dada sua composição, fica difícil acreditar que a verdade venha à tona. Formam o grupo representantes do Ministério Público do Rio, da Secretaria de Segurança Pública e das Polícias Civil e Militar. Diante do histórico dessas polícias só resta chamar o ladrão, como dizia a música do Chico Buarque na época da ditadura. Mídia e governo do Rio parecem saudosos daqueles tempos. A censura opera agora através dos próprios meios de comunicação, com a seletividade dos seus noticiários não só sobre as manifestações de rua, mas também diante de temas como a reforma política, a proposta do governo para ampliar o atendimento médico, a denúncia de sonegação fiscal cometida pela Globo e o debate em torno da democratização da mídia, por exemplo. Temas que, quando não omitem, distorcem.
A desinformação associa-se ao autoritarismo do governo estadual, fazendo lembrar – com um arrepio na espinha – do incêndio do Reichstag, o Parlamento alemão, ocorrido há exatos 80 anos. Ação isolada de um indivíduo ou articulada por um grupo nazista serviu de pretexto para milhares de prisões, garantindo apoio popular a um governo que levou a humanidade a um dos seus períodos mais aterradores. Há seguidores por aqui.