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Como formar trabalhadores em novas lideranças

Os movimentos tradicionais devem se inspirar nas manifestações e avaliar se estão investindo o bastante na formação e renovação de lideranças

douglas mansur/DIVULGAÇão

Juventude nas ruas e instituições políticas tradicionais chamadas de caducas. Tudo ocorrendo num país que atrai a atenção do mundo pelo êxito em suas políticas sociais, no combate à pobreza, no alcance do pleno emprego em algumas regiões e na elevação da renda. O Brasil acaba de apresentar melhora significativa em seu Índice de Desenvolvimento Humano, segundo a Organização das Nações Unidas, inclusive no quesito educação, que registrou salto próximo a 130%, frente a 47% na média geral dos demais indicadores. Mesmo assim, pesquisas de opinião registram apoio superior a 80% às manifestações desencadeadas de junho para cá por melhoria nos serviços públicos e por insatisfação com a classe política.

Um dos principais personagens da evolução do país nos últimos 35 anos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva observa, em conversas com pessoas próximas: “Desde 1975 estivemos sempre à frente ou ao lado dos grandes movimentos. Agora ficamos para trás”. Lula admite que a geração que não conviveu com problemas históricos em fase de superação ou já superados tem razão em protestar. E que os atuais níveis de ativismo deveriam servir para setores dos movimentos passarem a se incomodar com o “cheiro de naftalina” de suas reuniões. Para o ex-presidente, a formação de novas lideranças e a renovação da classe dirigente estão em descompasso com as novas demandas sociais.

Que tipo de novas lideranças está surgindo e como fará a “disputa” com a tradicional elite econômica – em torno de um projeto de país? Qualquer resposta a essa questão passa pela educação. E não somente aquela dos bancos escolares, mas também por projetos de formação preparados por organizações que não têm na educação sua atividade-fim.

Nesse aspecto, a classe empresarial está na dianteira. O economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, costuma chamar atenção para os investimentos de grandes grupos brasileiros em educação corporativa, universidades e cursos técnicos em programas como Universidade do Hambúrguer do McDonald’s ou Siemens Management Learning. Segundo ele, o equivalente a um quarto de tudo o que é aplicado em educação no país, nos três níveis, é bancado por empresas.

Movida por valores como competitividade, margens de lucro ou ocupação de nichos de mercado, é improvável que essa prática educacional cultive e dissemine solidariedade, justiça social e responsabilidade social. Trata-se de valores que, salvo exceções, são entendidos como importantes para melhorar a marca e a imagem das corporações, mas não como indispensáveis à sustentabilidade do planeta.

Ideologizar

Em geral, o estímulo à participação política como forma de melhorar sua cidade ou seu país tampouco consta das propostas curriculares em que só a boa gestão e a competência pessoal levam à riqueza e ao crescimento. Esse conceito já foi ilustrado com precisão em programas do tipo O Aprendiz, do empresário Roberto Justus, cujo prêmio era vaga numa grande corporação e promessa de sucesso. Numa das edições, o apresentador pediu aos competidores, pós-graduandos em administração ou marketing em escolas de prestígio, que comentassem o legado de uma mulher cujo retrato era projetado num telão instalado no estúdio de TV. Era Margaret Thatcher, a Dama de Ferro britânica, guru dos conceitos liberais nos quais o mercado, no atacado, e os indivíduos, no varejo, devem ditar as regras de como a vida deve funcionar.

“Para se contrapor a essa desideologização, os movimentos populares e os partidos de esquerda devem buscar justamente a ideologização”, defende a educadora Djacira Maria de Oliveira Araújo, uma das coordenadoras da Escola Florestan Fernandes, do MST. Construída em regime de mutirão a partir de 1997, na cidade paulista de Guararema, a instituição já formou milhares de militantes, em diversas modalidades de curso. O principal critério de admissão da escola, que tem como premissas da educação a tríade “luta, trabalho e organização”, é o vínculo com a terra.

O “aluno” tem de comprovar que é assentado e trabalha em sua comunidade. A formação parte da realidade vivida pelos estudantes, para assim produzir o aprendizado “transformador”, como preconizava o educador Paulo Freire.

Além dos cursos de curta duração e dos seminários da Escola Florestan Fernandes, o movimento tem apoio do governo federal por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). O programa oferece cursos superiores em áreas como Geografia, Estudos Latino-Americanos ou Linguagens do Campo – este criado no ano passado pela Universidade de Brasília –, ministrados por 38 universidades federais, que formam em média 3.200 alunos a cada ciclo, de três anos. Não deixa de ser uma semente de conhecimento, num universo de 350 mil famílias assentadas no campo.

A CUT também mantém uma linha de formação desde sua criação, há três décadas. Pelas duas mais recorrentes modalidades de curso oferecidas, Formação de Formadores e Organização e Representação Sindical de Base, passaram 8 mil pessoas nos últimos três anos. O conteúdo aborda de temas do cotidiano ao sistema político nacional, passando por técnicas de negociação. Essa política é complementada por programas elaborados por sindicatos filiados e seções estaduais da central.

Na busca de acompanhar as tendências do momento, a entidade prepara programas específicos em assuntos de comunicação e da juventude. “Uma das dificuldades permanentes para ampliar o raio de ação é o financiamento”, afirma o secretário nacional de Formação, José Celestino Lourenço, o Tino. A CUT vai aplicar ao longo de 2013 pouco menos de R$ 1,9 milhão em formação de novas lideranças, sem aporte externo. Para efeito de comparação, os investimentos do mundo empresarial em cursos, especializações e atividades “formadoras”, segundo estimativas de Marcio Pochmann, teriam consumido R$ 57 bilhões em 2012.

Participar e compreender

Mas a luta continua. A central é uma das mantenedoras do curso de extensão universitária Políticas e Sindicalismo Internacionais, que neste ano entra em sua terceira edição. Elaborado em conjunto com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do Instituto de Economia da Unicamp, o curso é voltado a dirigentes sindicais de todos os setores de atividade. O conteúdo é denso em macroeconomia e relações internacionais, exige farta leitura de produção acadêmica e sete semanas de período integral em sala de aula – com intervalos mensais entre uma e outra. A única exigência acadêmica para admissão é ter o ensino médio completo.

Uma das estudantes da turma formada em abril deste ano é Guanamar Soares, trabalhadora rural e moradora em um assentamento próximo aos municípios de Araguatins e Esperantina, no Tocantins. Ela tem 31 anos e conheceu energia elétrica aos 25, quando o programa Luz para Todos chegou a sua região. “Quando eu ouvia falar no Jornal Nacional coisas como PIB, desaceleração da economia, eu achava que era tomação de tempo. Hoje, consigo compreender melhor e percebo como os analistas distorcem fatos”, garante ela, que é dirigente da CUT em seu estado.

O professor Hélder Nogueira Andrade, doutorando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, participou da mesma turma. “Ampliei meus horizontes. Compreendo a relação da economia com questões que muitas vezes vemos apenas como políticas”, conta. Essas diferenças de perfis são a maior riqueza do curso, na opinião do professor do Cesit Dari Krein, um dos coordenadores do projeto. “Pela exigência de sua própria atividade, de sua práxis, esses dirigentes sindicais têm profunda capacidade de abstração, de reflexão. Paulo Freire ensinou isso”, comenta o pesquisador.

A formação de novas lideranças passa também pelos partidos e por suas fundações, responsáveis pela produção de pesquisas, estudos, cursos e publicações. A Fundação Perseu Abramo tem planos para investir em projetos de qualificação nas áreas de comunicação e gestão pública. Pretende adicionar à sua linha de publicações uma de volumes de textos breves, de caráter introdutório, sobre temas do universo político, econômico e social, compreensíveis às novas gerações que ingressam nesse universo. Com o mesmo objetivo, quer produzir conteúdo digital – filmes de curta duração e esquetes – para fazer contraponto ao noticiário comercial.

Para Pochmann, as mudanças sociais iniciadas no Brasil nos últimos anos podem se perder no tempo se as pessoas que delas se beneficiam, ou os dirigentes que devem ajudar na continuidade e aprofundamento delas, não relacionarem o processo à luta política e à constante mobilização social. Crítico da terminologia “nova classe média” usada para classificar os brasileiros incluídos no mercado de trabalho, ele alerta que é constante o desafio de confrontar a tese de que a competição e a competência individual são a chave para algum progresso. “É hora de dialogar com esse contingente de cidadãos para não deixá-los cair nesse engodo.”