américa latina

Do Atlântico até o Pacífico, via Nicarágua

Projeto de canal de ligação entre os oceanos pode sair do papel em 2014 e reposicionar o continente no comércio mundial. Mas com risco de altos custos ambientais

ADAM WARZAWA/POLAND OUT/efe

Navio Triplo E deixa o porto de Gdansk, na Polônia: muito largo para o Panamá

Uma megaobra de US$ 40 bilhões bancada por investidores chineses na Nicarágua, segundo país mais pobre da América Latina, pode mudar a dinâmica do comércio mundial. O país pretende construir um canal, financiado, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico, nos moldes do Canal do Panamá. Ainda sem percurso definido, o canal, que vem povoando o imaginário local desde antes da construção do vizinho panamenho, é a aposta nicaraguense para aumentar drasticamente seu Produto Interno Bruto (PIB) e a renda da população. Em termos de comércio, o sucesso dessa empreitada pode diminuir o custo do transporte em importantes rotas marítimas.

A Nicarágua pretende aproveitar o fato de o Canal do Panamá não ter espaço para um novo tipo de navio, o Triplo E, que comporta cerca de 18 mil contêineres de carga. A passagem panamenha está em expansão, mas mesmo depois do final dessa obra os maiores navios comportados serão os New Panamax, que carregam 12,5 mil contêineres. Os Triplo E ainda são raros, mas sua participação no comércio mundial deve aumentar nos próximos anos, já que derruba entre 20% a 30% o custo da tonelada transportada. “Quanto maior o navio, menor o custo relativo do transporte. Assim, a participação dos Triplo E deve aumentar no comércio. Várias empresas já encomendaram esses navios para os estaleiros”, afirma o professor José Vitor Mamede, do curso de Comércio Exterior da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), de São Paulo.

Apesar do otimismo do governo local, a obra ainda não está confirmada. Até o final do ano passado, não estava sequer definido trajeto do canal. Foram analisadas seis possibilidades – estudos de viabilidade ainda estão em curso e devem ficar prontos até julho. Se tudo correr como planeja o governo, a construção, prevista para durar cinco anos, começaria em dezembro.

Para o ministro Paul Oquist, da Secretaria para Políticas Nacionais da Nicarágua, os estudos deixaram governo e investidores confiantes. “O volume de investimentos feitos pelas consultorias é muito alto para ser gasto em um projeto que tem chances duvidosas de acontecer”, afirma. Até agora, esses estudos consumiram US$ 900 milhões e mobilizaram 4 mil profissionais.

O projeto completo não fica apenas na construção do canal. O país pretende pôr em operação um ambicioso plano de logística, integrado por dois portos, uma linha de trem paralela ao canal, um oleoduto, duas zonas de livre comércio e um ou dois novos aeroportos internacionais.

O grupo investidor no canal estima que o comércio mundial vai aumentar 42% entre 2011 e 2025. As exportações mundiais cresceram de US$ 6,5 trilhões em 2000 para US$ 18,3 trilhões em 2012. Esse número deve aumentar para US$ 35 trilhões em 2020. Não é apenas o aumento do volume de negócios que justifica o investimento na obra. Algumas rotas comerciais que seriam beneficiadas com aumentarão de importância nos próximos anos. Em breve, os Estados Unidos deixarão de ser importadores e passarão a exportar petróleo pelo Golfo do México.

Hoje, os petroleiros de maior porte não passam pelo Canal do Panamá para atingir a costa oeste americana e a Ásia, mas poderão passar pelo novo caminho. O comércio entre os países latinos banhados pelo Atlântico e Ásia também seria facilitado, assim como entre os países andinos e a Europa. “Essa obra, apesar de ser iniciativa de um investidor chinês, deve ser benéfica para o comércio como um todo. A China ganha, mas os Estados Unidos também serão beneficiados, assim como a América Latina”, acredita Mamede.

Mapa

Impacto na renda

Com 6 milhões de habitantes e PIB de US$ 10 bilhões, a Nicarágua busca com esse megaprojeto mudar o perfil econômico do país e aumentar a renda da população. Embora a economia venha crescendo a uma taxa média de 5% ao ano, uma das mais altas da América Latina, e apresentando avanços na redução da desigualdade, o país continua a apresentar alta taxa de pobreza. Em 2012, 42% dos nicaraguenses podiam ser considerados pobres. Outro problema interno é a informalidade. Dos 3 milhões de pessoas empregadas no país, 640 mil estão inscritas na previdência social.

O governo espera ter um resultado semelhante ao do Panamá na economia. Desde o anúncio do projeto de expansão do canal, o país, de 3,8 milhões de habitantes, cresce quase 9% ao ano em média, mesmo com a crise mundial de 2009. O PIB saltou de US$ 17 bilhões em 2006 para US$ 42 bilhões em 2012, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

“O modelo do Panamá pode ser considerado um sucesso. Desde que o país passou a controlar o canal, em 1999, a economia melhorou”, afirma ­Mamede. A Nicarágua espera crescer a taxas acima de 10% ao ano a partir do início da construção do canal. Até 2018, o país espera triplicar para 1,9 milhão o volume de empregos formais.
Para que os nicaraguenses possam apro­­veitar os empregos criados pelas obras e operação do canal, o governo promete realizar parcerias com as universidades. “Não adiantaria nada realizar todo esse investimento para criar empregos para estrangeiros”, diz Paul Oquist.

________________________
Riscos sociais e ambientais

A construção do canal maior do que o do Panamá e o sucesso de sua operação são possíveis porque a Nicarágua conta com recursos hídricos em abundância. O lago Nicarágua, que faz parte de todas as possibilidades de trajeto do canal, é o maior da América Central. O uso do lago e dos aquíferos que o alimentam para o canal causou polêmica no país.

Victor Campoe, diretor do grupo ambiental Humboldt, afirmou em junho passado que o projeto põe em risco a bacia hidrográfica que fornece água para a maior parte da população mais pobre do país. A reserva ambiental de Punta Gorda, que abriga 120 espécies de pássaros, mamíferos, répteis e outros animais, também pode ser afetada.
Oquist afirma que, de maneira geral, o país deve sair ganhando ambientalmente.

“Haverá impacto na área de construção, mas ao mesmo tempo há um trabalho para conter o desflorestamento, reflorestar áreas degradadas e deter a sedimentação do lago Nicarágua”, afirma. Essas ações seriam necessárias para a operação do canal, que depende do suprimento de água para funcionar. O HKND, grupo parceiro do governo nicaraguense no projeto, contratou a consultoria ambiental britânica ERC para auditar os possíveis impactos ambientais.

Da mesma forma, os impactos sociais da obra ainda são desconhecidos, uma vez que até o início de janeiro o trajeto do canal ainda não estava definido. Não é possível, ainda, saber se e quais comunidades no caminho do canal serão afetadas. O discurso do governo afirma que todas as comunidades que tenham de ser removidas serão ouvidas no processo e realocadas da melhor maneira possível.