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Paraíso visto do céu

Voar de balão sobre a Chapada dos Veadeiros (GO) é mais que surpreendente. É também uma forma diferente de entender a geografia e vivenciar a harmonia entre homem e natureza

O céu está limpo, perfeito para um voo que vai atravessar um dos paraísos naturais mais impressionantes e importantes do Brasil <span></span>Cahoeiras da Almécegas <span>(hugo camelo/flickr/cc)</span>Veredas são formações vegetais típicas do cerrado, que têm como principal característica um longo corredor de buritis, palmeira que acompanha os riachos <span></span>Congada de Catalão em São Jorge: energia e misticismo <span>(marcello casal jr/abr)</span>

A viagem começa antes de o sol nascer. Às 5 da manhã, a equipe sai da cidade de Alto Paraíso de Goiás, a 242 quilômetros de Brasília, e segue em direção a uma pequena propriedade rural nos arredores desse município de pouco mais de 6 mil habitantes. Auxiliados pela luz da caminhonete de apoio, que leva todo o equipamento de voo, começa a montagem do balão, pressentindo os primeiros raios do sol. O céu está limpo, perfeito para um voo que vai atravessar um dos paraísos naturais mais impressionantes e importantes do Brasil, a Chapada dos Veadeiros.

Antes mesmo de decolar, inicia-se a conversa entre homem e natureza. O balonista Filipe Tostes, responsável pelo passeio, explica que uma das primeiras características que precisa ser levada em consideração num voo de balão é o clima e as condições meteorológicas da região, o que é determinado também pela geografia e pela formação geológica.

“Temos de decolar logo nas primeiras horas do dia, para evitar as térmicas, correntes de ar quente que se formam quando a temperatura começa a se elevar e que podem tornar o voo perigoso. Na Chapada, além da altitude, o terreno é rochoso (rico em cristais de quartzo) o que faz com que esse aquecimento seja ainda mais rápido”, explica Filipe, que já voou em vários países e que em 2014 foi campeão do 26º Festival de Balonismo de Torres (RS), um dos mais importantes do Brasil.

Ele explica que, antes mesmo da chegada do balão ao local de decolagem, sua equipe já havia feito a observação das condições meteorológicas e lançado uma bexiga com gás hélio, que ajuda a mapear a direção do vento e sua velocidade. A partir desses dados é que ele elabora o roteiro do voo, determinando os locais que serão possíveis percorrer e em qual ponto a equipe em terra pode resgatar o balão.

Localizado em um platô com altitudes que variam entre 1.400 e 1.650 metros, a Chapada dos Veadeiros possui clima tropical de altitude, com temperatura média de 25 graus e épocas de vento intenso, principalmente nos meses de julho, agosto e setembro, quando a temporada de balonismo é suspensa. Em dezembro e janeiro, as chuvas constantes também impedem os voos. Isso faz com a temporada dure sete meses, de fevereiro a junho e de outubro a novembro.

Para o alto

Em pouco tempo o balão deixa o solo, lentamente. A primeira visão que se tem é das casas de Alto Paraíso, que começam a formar um quadriculado regular, no qual ruas e estradas seguem caminhos geométricos aparentemente perfeitos. Mais alguns instantes e os sinais de urbanidade começam a dar lugar aos traçados irregulares da vegetação e ao cerrado, bioma que cobre a região e se encontra devidamente preservado nos 65 hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, uma das mais importantes reservas naturais do país. Criado em 1961, e declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2001, o parque ocupa boa parte desse grande platô localizado no Centro-Oeste, fazendo limite com as cidades de Alto Paraíso de Goiás e Cavalcante.

À medida que o balão sobe, o panorama permite entender um pouco mais a região. À esquerda, impõe-se o Morro da Baleia, à direita, a Serra da Boa Vista, que formam uma espécie de vale por onde o balão faz seu voo, protegido dos ventos mais fortes. Segue a uma velocidade média de 30 quilômetros por hora e chega a cerca de 1.200 metros acima da paisagem, que ganha novos contornos e dimensões.

O silêncio toma conta do ambiente, quebrado algumas vezes pelo som da chama lançada por Filipe para aquecer o ar e controlar a altitude do balão. Extremamente estável, o balão dá a sensação de estar parado, e permite observar com mais afinco tudo que se deslinda no horizonte. É o caso das veredas, formação vegetal típica do cerrado, que tem como principal característica um longo corredor de buritis, palmeira que acompanha riachos formando uma trilha verde. Como mantém o solo úmido, são um verdadeiro oásis para centenas de espécies do cerrado, mesmo durante os períodos de seca. De cima, é fácil perceber porque vereda também significa caminho.

Além das veredas, alguns rios serpenteiam o chão, entre os quais Preto e o dos Couros, que ao descer do platô vão formar as incríveis cachoeiras e piscinas naturais que atraem milhares de turistas todos os anos. A Chapada dos Veadeiros é um importante berço e divisor de águas, e suas nascentes são os principais formadores da bacia do Tocantins, o segundo maior rio totalmente brasileiro – o primeiro é o São Francisco.

Embora a altitude não permita ver, é fácil imaginar a riqueza da fauna que está sob os pés, representada por animais como lobo-guará, a raposa-do-campo, a capivara, o tucano, o caracará e a ema, um dos símbolos do cerrado. Também estamos sobrevoando uma região de flora riquíssima, com mais de 1.400 espécies catalogadas, sendo centenas delas endêmicas.

Depois de cerca de 40 minutos no céu, começa a descida. É um momento um pouco mais tenso, pois as condições do vento lá embaixo podem determinar um pouso tranquilo ou, como não é incomum, o cesto do balão pode se arrastar por alguns metros, o que exige cuidado da equipe. À medida que se aproxima do local de pouso, a sombra do balão torna-se maior e compõe com a paisagem uma imagem única, inesquecível, harmônica. E a natureza, mais uma vez, mostra-se generosa, faz tocar a terra com tranquilidade, sãos e salvos, com os pés no chão e a cabeça voando alto, bem alto.

PÉS NO CHÃO

Cahoeiras da Almécegas

Olhar a Chapada do Veadeiros de cima é sem dúvida estonteante. Mas o que tradicionalmente leva milhares de pessoas todos os anos para Alto Paraíso de Goiás são atrativos para os que mantêm os pés no chão. Trilhas conduzem a cachoeiras como a Almécegas (com 50 metros e considerada uma das mais belas), ao Salto do Rio Preto (com 120 metros) e a formações rochosas como o Vale da Lua – com erosões feitas pelo rio São Miguel que se parecem com crateras lunares.

A 35 quilômetros temos também o distrito de São Jorge, que une uma atmosfera rústica, meio hippie, ao requinte da boa gastronomia, de locais descolados, além de estar localizado bem próximo à entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

Alto Paraíso é também um local tido como grande polo esotérico, de aventuras extrassensoriais e místicas. Mais uma vez a natureza agiu e colocou sob a região uma das maiores concentrações de cristais de quartzo do mundo, o que, segundo alguns, a torna um grande centro de energia cósmica, cortado pelo paralelo 14, o mesmo de Machu Picchu, a cidade sagrada dos Incas – o que amplia as possibilidades transcendentais.