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Visita ao mundo maia

Viagem pela região que se estende pelo sul do México e outros países mostra a complexidade da organização social e a originalidade da cultura

RICHARD A COOKE III/GETTY IMAGES

Ruínas de Labná, umas das mais belas cidades maias e uma das menos visitadas por multidões de turistas

O “mundo maia” se estende pelo sul do México, Guatemala, Honduras, El Salvador e Belize. No México, cobriu as três províncias daquela península (Campeche, Yucatán e Quintana Roo), mais as de Tabasco e Chiapas. Mas quem quiser visitá-lo deve começar, curiosamente, fora dele: pelo Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México, a capital do país.

Neste excelente museu, o visitante se depara com a extraordinária complexidade e diversidade do mundo indígena mexicano, pré e pós-conquista espanhola. E também pode constatar a originalidade da cultura maia, uma das mais diversificadas dentre um conjunto de culturas e sociedade extremamente complexas. Ao mesmo tempo, dá para perceber certos traços comuns à maioria destas sociedades e culturas. Eram extremamente estratificadas, verticalizadas, na maioria das vezes militaristas e autoritárias.

Estes traços ajudam a entender, primeiro, o desenvolvimento da arquitetura nestas sociedades, que servia para demarcar as distâncias e as funções sociais de modo ao mesmo tempo grandioso e rígido, com destaques para os templos religiosos, prédios administrativos e residências da aristocracia e dos reis. Em segundo lugar, ajudam a entender por que estes mundos, sem exceção, desmoronaram muito rapidamente diante do relativamente pequeno número (pelo menos de início) de conquistadores europeus. Estes, além de dispor de um armamento muito superior e mais agressivo do que os indígenas, souberam valer-se das rivalidades e disputas entre os vários povos autóctones.

Invariavelmente, tribos menos poderosas aliaram-se a eles para se livrar da sua dominação pelas mais poderosas. Ao fim e ao cabo, acabaram todas dominadas. Mas uma das que mais demorou a cair foi a civilização dos maias, embora, quando da conquista do México, eles já estivessem longe de seu apogeu.

Yucatán

Depois da capital mexicana, fomos à Península de Yucatán, junto ao Caribe. A península é dividida em três estados: Yucatán, Campeche e Quintana Roo (nome de um dos próceres da independência mexicana). Limita ainda com a Guatemala, ao sul, e com Belize, a leste.

Quintana Roo, que fica mais a leste, tem uma hora de diferença – a mais – do que a capital mexicana. Está no mesmo horário que o estado brasileiro do Acre e o extremo oeste do Amazonas.

A península é o espaço central do “mundo maia”. Até não faz muito, os maias eram descritos em livros de história como os protagonistas de um mundo nebuloso e desconhecido – e “desaparecido”. Esta imagem se deve ao fato de que, fundadas a partir de 1000 a.C., as cidades maias atingiram seu apogeu no chamado “período clássico”, entre 250 e 900 d.C., entrando em declínio posteriormente – mas sem desaparecer completamente.

As causas desse declínio são obscuras. Tradicionalmente se atribui o declínio parcial da civilização a fatores climáticos. Com sua agricultura intensiva, os maias contribuíram para o desflorestamento parcial de suas terras, com diminuição consequente das chuvas. As terras da península, sobretudo, são arenosas, o clima subtropical é muito quente, e apesar da existência de água doce em abundância no subsolo – que aparecem em bolsões chamados de “cenotes”, maravilhosos para banhos – os períodos de seca podem ser extensos e prolongados.

Mas estudos mais recentes apontam também causas sociais. Como em outras civilizações do atual México, o mundo maia também era extremamente hierarquizado e profuso em sacrifícios humanos e outras religiosidades extremadas.

Por exemplo, os maias tinham um curioso jogo de bola, ainda hoje praticado em manifestações folclóricas. A bola era muito dura, e só podia ser impulsionada com os quadris, ou com as juntas do corpo, os cotovelos e os joelhos. Duas equipes disputavam o jogo, cujos pontos eram marcados fazendo a bola passar pela “linha de fundo” de um dos times, ou por rodas de pedras perfuradas no centro e colocadas no alto de colunas ou presa às paredes dos “estádios”. No final do jogo, o capitão do time vencedor era decapitado – o que era considerado “uma honra”…

Esta hierarquização levou – como em outras regiões do atual México, entre as quais a de Teotihuacán é um exemplo – a revoltas sociais que se agravaram com as secas prolongadas.

A conquista

Mas os maias ainda existiam como uma sociedade autônoma quando os Conquistadores da Espanha chegaram, e, como os outros povos, tiveram de ser submetidos a ferro, fogo e… religião. A Conquista foi dura e prolongada, porque os maias se protegiam nas selvas ainda densas da região e se ocultavam nos cenotes, onde a água e a pesca eram abundantes.

Existem centenas de ruínas na península, dando conta da complexidade arquitetônica do mundo maia, de sua sofisticação e de sua riqueza cultural. Eram astrônomos de primeira grandeza e dispunham da única escrita alfabética do continente americano. Além disso, conheciam o conceito de “zero” desde muito antes dos matemáticos árabes, que foram, inclusive, os responsáveis por sua introdução na Europa, depois de o herdarem dos hindus e dos babilônios.

As ruínas maias são, em geral, grandiosas, dando conta da complexidade de sua organização social, de sua estratificação bastante rígida em matéria de classes sociais e de sua articulação com o espaço religioso, bem como de sua militarização, como a dos astecas. Têm um encanto especial, por estarem cobertas ou na vizinhança de florestas algo pujantes ainda.

Visitamos algumas delas: Kabah, com seus adornos de máscaras nas paredes; Uxmal, talvez a mais extensa e grandiosa; Izamal, em cujo centro histórico hoje se confrontam as antigas casas coloniais e uma igreja colossal construída em cima de um antigo templo com as ruínas das pirâmides que restaram; também Tulum, cidade tardia no mundo maia. Foi fundada no século 6º da era cristã, era um porto de mar – um dos únicos dos maias –, tinha fins comerciais e era também usada como balneário pelos habitantes de Kabah. Sua área é muito grande. As construções são mais simples e parecem menos acabadas do que as de outras cidades, embora haja vestígios de pinturas e decorações que devem ter sido extremamente ricas.

Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, igualmente grandiosa e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma das pirâmides, que só se deixa ver em determinadas horas do dia durante o tempo dos dois equinócios anuais, o de primavera e o de outono. Conseguimos vê-la, apesar do tempo parcialmente nublado.

Mas – confesso – nenhuma cidade nos encantou tanto quanto as ruínas de Labná. São lindas, e têm um detalhe importante: são muito menos visitadas do que as outras, onde as multidões se acotovelam e se empurram nas filas para comprar entradas. Labná está entregue à floresta, à solidão de um único vigia na entrada, e às iguanas que povoam suas pedras. Não perca, se puder.

Em Izamal, constatamos também o porquê da fama de “desaparecimento” do mundo maia – que, aliás, está mais vivo do que nunca, com sua língua ainda praticada por parte da população. Ali se estabeleceu o padre – depois bispo – Diego de Landa (1524-1579). Landa tornou-se um tenaz perseguidor da religião maia, depois que descobriu que os índios a praticavam secretamente mesmo depois de “convertidos”. Aplicou indiscriminadamente diversas formas de tortura.

A mais cruel era a do “içamento”, que consistia em pendurar a vítima com cordas amarradas a seus braços e pesos presos aos pés, coisa que provocava o desconjuntamento dos membros e que foi, aliás, bastante praticado pelos nazistas no campo de Dachau, perto de Munique. Além disto, destruiu um número estimado entre 27 e 200 códices escritos com história maia. Mandado de volta para a Espanha devido a seus desmandos considerados excessivos, parece ter-se arrependido do que fez e dedicou-se a escrever uma história da cultura e da língua dos maias, num livro recuperado no século 19 e que hoje é considerado uma peça fundamental, apesar de suas distorções, para o entendimento da língua do mundo maia.

Em Izamal há um curioso monumento em sua honra, que diz ter ele sido tanto um preservador da cultural local, quanto um seu “fanático destruidor”. É o único caso que vi de um monumento ao mesmo tempo laudatório e contrário ao homenageado…

Os atrativos da capital mexicana

É possível seguir diretamente do Brasil ao aeroporto de Cancún, na Península do Yucatán, com escala em Lima, Bogotá ou Caracas, pelo menos. Mas recomendamos fazer uma esticada à Cidade do México.

Além do Museu Nacional de Antropologia, a capital oferece ao visitante um sem número de atrativos:

O Zócalo, como é chamada a praça central, cujo nome oficial é Praça da Constituição. Em seu entorno se situam a Catedral, as ruínas do Templo Maior asteca, reminiscência da antiga Tenochitlán, capital daquela civilização, com seu museu também extraordinário e o Palácio Nacional, sede do governo, que pode ser visitado e exibe murais de Diego Rivera.

Não muito longe dali, está o Palácio de Belas Artes, com o mural que Diego Rivera projetara inicialmente para o Rockefeller Center em Nova York. Acusado de fazer propaganda comunista, o mural foi destruído. Mas Rivera o fizera fotografar antes, e o refez no Palácio de Belas Artes.

As casas de Frida Kahlo e de Leon Trotski, muito perto uma da outra. Exibem belos acervos da artista e do líder revolucionário, além de preciosas coleções de fotografias. Não muito longe fica o museu dedicado a Diego Rivera.

Vale a pena, pelo menos, fazer uma excursão a Teotihuacán, imponente conjunto de ruínas a 50 quilômetros da capital. De preferencia, vá de manhã, e na volta dê uma passada na antiga Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, que está rachada ao meio, com cada um dos lados adernando em direção diferente.

Relatos assustadores sobre criminalidade, assaltos etc. chegarão aos ouvidos do visitante. Mantenha cuidado, mas não fique paranoico. Mantenha sua bolsa à frente do corpo, não pegue táxis avulsos nas ruas, saia só com o dinheiro ou cartões indispensáveis, não faça exibição desnecessária de câmeras, ande com uma cópia xerox do passaporte e algum outro documento de identidade (lojas podem pedir isto, caso se use um cartão). Pergunte sempre se há entradas “para maiores” (idosos, mais de 60 anos) nos museus, se for o seu caso.

Atenção, sim, com a poluição, que é bastante forte, pois a cidade fica em um vale. E se for fazer comida em casa, lembre-se que a Cidade do México está a 2.400 metros de altitude: a água ferve a 92, em vez de 100 graus, e tudo leva um pouco mais de tempo para cozinhar…