Crônica

A hora da ira. Que a terra não lhes seja leve

Ilustração: Vicente Mendonça Naquele dia 17 de abril, atravessando­ a madruga em Berlim, devido ao fuso horário, assistindo ao deprimente espetáculo que a Câmara de Deputados proporcionou – não a […]

Ilustração: Vicente Mendonça

Naquele dia 17 de abril, atravessando­ a madruga em Berlim, devido ao fuso horário, assistindo ao deprimente espetáculo que a Câmara de Deputados proporcionou – não a mim, ao mundo inteiro –, me surgiu a lembrança de Castro Alves, no poema Navio Negreiro – Tragédia no Mar:

Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!

Meu Deus! Meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que imprudente na gávea tripudia?

Auri-verde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as divinas promessas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis à lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!

Não sei o que aquela escória comandada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está pensando. Em termos éticos, não importa. Eles arrastaram o Brasil à vergonha universal. Não tenhamos ilusões: somos motivos de chacota pelo mundo inteiro, inclusive nas imagens das vivandeiras de ocasião, lavando lágrimas de crocodilo na nossa bandeira, que percorrem as primeiras páginas de todo o mundo.

O que importa é pensar no que está por trás disso. Não me refiro à mídia golpista. Ora, ora, ela cospe­ todo santo dia na bandeira brasileira. Não me refiro à legião de gângsteres que invocavam o nome de filhos, mamães, papais, médicos, para cometer o ato assassino de condenar uma presidenta honesta. Eles cospem na própria memória todo santo dia. Também não me refiro aos capitalistas malignos (porque, apesar de tudo, há os que não são), que esfregam as mãos pensando no quanto mais vão arrancar do nosso povo – classe média iludida aí dentro.

O que me vem à mente é a corriola de idiotas que a face empresta para cobrir aquela infâmia ocorrida, sob as mais variadas máscaras. As máscaras corporativas, as máscaras supostamente éticas que, em nome de arrepiar a corrupção, convivem com os Al Capones do Congresso como se isto fosse o normal da vida. Em nome de apresentar uma fachada de probidade, admitem chafurdar no pântano das falsidades. Preferem isso a botar em risco os seus privilégios, que pensam ser direitos in natura, como se direitos não fossem universais, mas atestados de nascença reservados em cartório.

Fico pensando onde essa gente estará. Pode ser no círculo infernal de Dante destinado aos hipócritas. Vestem roupas de cores brilhantes e bonitas, mas que pesam como chumbo, e que os impedem de se movimentar. Ou quem sabe estarão no círculo onde os condenados têm a cabeça voltada para trás, não conseguindo nunca olhar para frente, o que os faz contundir-se constantemente.

Ou ainda podem estar no círculo dos corruptos, mergulhados no piche fervente, ou na própria merda: se levantam a cabeça, são impiedosamente espancados pelos demônios, para que mergulhem de novo no poço ignominioso de sua submissão. Ou então, e muitos estarão neste plano, ficam detidos no portal do Inferno, perseguidos por mutucas e vespas implacáveis. São os que não pecaram por serem tão covardes que nem a isso tiveram coragem de chegar: são os omissos, os “deixa pra lá”, os “isto não é comigo”, que tanta alegria fizeram aos Hitlers, Stalins, McCarthys e – por que não dizer – aos pequenos Cunhas da vida.

Que a terra não lhes seja leve, nem o pó do esquecimento os perdoe.