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O futuro das esquerdas passa pelas eleições do Rio

Com três candidatos expressivos anti-impeachment, Rio pode ter frente inédita de esquerda em eventual segundo turno nas eleições municipais e crescer como polo de resistência democrática

RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

Jandira Feghali, do PCdoB, Beth Carvalho e Lula: discurso anti-Temer

ALERJFreixo
Freixo (Psol) foi o principal adversário de Paes em 2012, quando conquistou 28% dos votos

Ainda abafada pelos Jogos Olímpicos, a campanha eleitoral para a Prefeitura do Rio de Janeiro promete uma disputa que se anuncia como a mais pulverizada e indefinida dos últimos 20 anos. Após se concentrar em temas regionais e abandonar – com as sucessivas eleições e reeleições dos prefeitos Cesar Maia (hoje vereador pelo DEM), Luiz Paulo Conde (que morreu em 2015) e Eduardo Paes (PMDB) – sua histórica vocação para caixa de ressonância das grandes questões políticas nacionais, a campanha no Rio este ano se dará em meio ao debate sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Em clima de acirramento político, disputam a preferência e os votos dos cariocas oito candidatos, a maioria com reais possibilidades de chegar a um eventual segundo turno, em um leque de partidos que vai da extrema-esquerda à extrema-direita.

Caso o afastamento de Dilma seja confirmado pelo Senado, o Rio poderá mais uma vez assumir o papel de polo da resistência democrática no país. Para isso, bastará que um dos três candidatos competitivos lançados pela esquerda vença as eleições para a prefeitura em outubro. No entanto, em um quadro eleitoral que traz um candidato com forte apoio das máquinas administrativas municipal e estadual (o deputado federal Pedro Paulo ­Carvalho, do PMDB) e outro já bastante conhecido dos eleitores (o senador Marcelo­ Crivella, do PRB), a vitória não será fácil para os deputados Marcelo Freixo (Psol), Alessandro Molon (Rede) ou Jandira Feghali (PCdoB, com apoio do PT). Embora não haja acúmulo político suficiente para o lançamento de uma candidatura única da esquerda carioca, os três já selaram acordo para uma aliança em torno daquele que conseguir chegar ao segundo turno.

Expoente nacional da luta “contra o golpe”, Jandira Feghali usará seus discursos de campanha para denunciar o governo interino de Michel Temer e terá apoio direto do ex-presidente Luiz ­Inácio Lula da Silva. Ela entrou na disputa após o PT e o PCdoB romperem com a gestão de Paes. Isso aconteceu quando Pedro Paulo se licenciou da Secretaria de Coordenação de Governo, cargo que ocupava na gestão Paes, apenas para votar a favor do afastamento de Dilma no plenário da Câmara dos Deputados.

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASILMolon
Molon (Rede), deputado mais votado pelo PT em 2014, decidiu deixar o partido para poder disputar a prefeitura

O sintoma de que a candidatura de Jandira incomodou foi o peso dado a veículos do Grupo Globo a denúncias feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que disse em depoimentos vazados ter intermediado na campanha de 2010 pagamento de propina feito pela construtora Queiroz Galvão à deputada. No lançamento de sua candidatura, ao lado de Lula em uma Fundição Progresso lotada, Jandira afirmou que irá processar Machado. “Todas as doações que recebi sempre foram legais, públicas e aprovadas pelos tribunais. A única doação que recebi da Queiroz Galvão, em 2014, chegou via comitê central do PCdoB”, disse.

O deputado estadual Marcelo Freixo foi o principal adversário do prefeito Eduardo Paes nas eleições de 2012, quando conquistou 28% dos votos. Com apenas duas inserções diárias na propaganda eleitoral da televisão, desta vez tentará obter votos suficientes para provocar a realização do segundo turno. Para alavancar sua campanha, o Psol, que tem forte presença na juventude carioca, apostará em mobilizações de rua e nas redes sociais, além de aproveitar a proibição de doações de empresas aos candidatos – bandeira historicamente defendida pelo partido – para criar comitês eleitorais de doação em toda a cidade.

O lançamento da candidatura de ­Freixo reuniu cerca de 5 mil pessoas no Club Municipal, na Tijuca, zona norte do Rio. “Temos um desafio imenso, que é ressignificar como a esquerda pode chegar ao poder. Não vamos ganhar tempo de tevê, mas vamos ganhar as ruas, as praças e as redes sociais”, disse o candidato, ao lado dos deputados federais Chico Alencar e Jean Wyllys e de artistas como a cantora Teresa Cristina e o ator Gregório Duvivier. Freixo não teme que a grande quantidade de candidatos atrapalhe. “A diversidade contribui para a democracia”, diz.

Alessandro Molon, mais votado pelo PT em 2014, decidiu deixar o partido após se ver mais uma vez sem espaço para disputar a prefeitura. Em setembro passado, quando, impulsionado por sua direção regional, o PT parecia marchar para uma aliança na qual seria vice na chapa de Pedro Paulo, Molon ingressou na Rede. Sua vida, no entanto, não tem sido fácil, já que dentro do novo partido enfrenta a oposição do grupo ligado ao deputado federal Miro Teixeira, que também aspirava à candidatura.

Miro votou a favor do afastamento de Dilma. Molon, líder da bancada da Rede na Câmara, foi contra. A diferença política aprofundou a cisão entre as duas alas da legenda no Rio. Para conquistar eleitores, Molon terá em seu palanque a ex-ministra Marina Silva, que obteve 31% dos votos fluminenses nas eleições presidenciais. “O Brasil vive um momento crucial em sua política, e o contexto de crise faz com que aqui no Rio tenhamos chances concretas de derrotar o PMDB”, afirma o candidato.

TASSO MARCELO/FOTOS PÚBLICASRomário
Romário (PSB) elegeu-se senador em 2014 com apoio do PT; e votou pelo impeachment

Calcanhar de Aquiles

Se levada em conta a força das máquinas administrativas municipal e estadual, o candidato a ser batido é Pedro Paulo Carvalho. No entanto, uma série de percalços em seu caminho, do corpo mole de setores do partido a acusações de agressão física contra a ex-mulher, dá a sua candidatura um aspecto de fragilidade que anima os adversários. A ausência do braço direito de Paes em um provável segundo turno já é considerada possível.

EDVALDO REIS/CRIVELLA 10Crivella
Crivella (PRB) fez dobradinha com Dilma em 2014 e foi ao segundo turno. Teve 44% dos votos

Com base na Lei Maria da Penha, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, determinou em setembro a abertura de inquérito contra Pedro Paulo após o recebimento de denúncias de que em 2010 ele havia agredido a mulher, Alexandra Marcondes, com socos e pontapés. A própria Alexandra, hoje divorciada, tentou amenizar o episódio, tratando-o como “briga de casal”. Mas o abalo já estava feito e ficou ainda maior em abril, depois que o secretário – na ausência de Paes, que estava em viagem oficial à Suíça – viu chegar sua vez de “dar a cara a tapa” ao ficar na linha de frente das explicações para a queda da recém-construída ciclovia da Avenida Niemeyer, que provocou a morte de duas pessoas e chocou a população carioca.

Pior para o candidato do PMDB é que o processo por agressão irá se estender pelo período de campanha, uma vez que Fux, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República, determinou que seja ouvido no inquérito o perito Francisco­ Mourão, que fez o exame de corpo de delito em Alexandra. Por ora, Pedro Paulo,­ que alega ter apenas se defendido das agressões sofridas pela então esposa, se limita a dizer que aguardará a conclusão do inquérito para se manifestar. Para tentar melhorar sua imagem junto aos eleitores, o candidato confirmou como vice em sua chapa a deputada estadual Cidinha Campos (PDT), veterana em eleições no Rio que, questionada por jornalistas sobre sua trajetória como feminista, minimizou o “episódio doméstico” envolvendo Pedro Paulo: “Esse é um caso resolvido. Feminista tem que cuidar para que as mulheres ganhem salários iguais aos dos homens”, disse. Além do PDT, Pedro Paulo é apoiado por DEM, PP, PTB e PPS, e terá direito a 29 inserções diárias na propaganda eleitoral da tevê.

Após a revelação do episódio de agressão, setores do PMDB fluminense chegaram a cogitar a substituição de Pedro Paulo pelo também deputado federal ­Leonardo Picciani, na época líder do partido na Câmara. A ideia da candidatura alternativa foi abortada após o acordo com o presidente interino, Michel Temer, que colocou Leonardo no Ministério dos Esportes. Para que esse arranjo se concretizasse, a insistência de Paes com o nome de seu secretário de Coordenação de Governo foi crucial. “Na hora do voto, os eleitores saberão analisar o que a prefeitura do Rio fez de bom pela cidade e o que o Pedro Paulo, como primeiro-ministro do Eduardo, representou nesse processo”, diz o prefeito.

Popularidade como trunfo

Líder em todas as pesquisas de opinião realizadas em julho, o senador e cantor gospel Marcelo Crivella apresenta como principal trunfo a familiaridade que o eleitor carioca tem com seu nome. Candidato à Prefeitura pela terceira vez, há dois anos Crivella levou ao segundo turno a disputa pelo Governo do Estado contra o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e obteve 44% dos votos. Seu maior desafio nesta campanha será superar a rejeição de parte do eleitorado e ir além da imagem consolidada de representante dos interesses da Igreja Universal do Reino de Deus: “Dizem que sou preposto do Bispo Macedo, mas o que o povo quer saber é se o Eduardo Paes é preposto da Odebrecht”, disse, no ato de lançamento de sua candidatura.

Na busca por novas faixas do eleitorado, Crivella chegou a ensaiar filiação ao PSB no início do ano, mas a sombra do senador Romário fez com que decidisse permanecer no PRB, ao qual sempre foi filiado. Normalmente bem votado nas áreas mais carentes da cidade, Crivella traçou como estratégia de campanha aumentar sua votação na rica zona sul.

Após algumas idas e vindas e um flerte com a candidatura de Pedro Paulo, o ex-jogador Romário chegou a lançar sua própria candidatura à prefeitura do Rio, mas acabou desistindo oficialmente no fim de julho. Senador mais votado no estado em 2014, ele também deixou a presidência regional do PSB, que assumira com o objetivo de consolidar a candidatura a prefeito. Agora, o apoio da legenda é disputado por Crivella e Molon, que apostam na proximidade entre Marina Silva e a direção nacional socialista.

Além do possível apoio do PSB, Crivella tem a possibilidade de negociar apoios em troca de seu voto sobre o afastamento de Dilma. O senador votou pela admissibilidade do processo contra a presidenta em maio, mas agora admite rever sua posição. Essa ambiguidade será mantida até o dia da votação no Senado, mas já serve como motivação para conversas com setores pró-Dilma, o que não afasta um possível apoio do PT e do PCdoB a Crivella caso ele chegue ao segundo turno contra o candidato do PMDB.

Costelas de Paes

Sem muita tradição eleitoral no Rio, algumas das principais legendas de direita, todas atualmente no campo de apoio ao interino Temer, apostam em nomes oriundos da administração de Paes. O PSDB, após cogitar o técnico de vôlei Bernardinho, os economistas Gustavo Franco e Sérgio Besserman e o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira, acabou cerrando fileiras em torno do deputado estadual Carlos Roberto Osorio, que até o fim de fevereiro era filiado ao PMDB e ocupava o posto de secretário estadual de Transportes no governo Pezão.

Osorio, que teve sua entrada no PSDB incentivada pelo senador tucano Aécio Neves (MG), havia sido secretário municipal de Conservação no primeiro mandato de Eduardo Paes. O histórico como peemedebista e a mudança recente para a oposição, segundo o candidato tucano, não o impedirão de criticar a gestão municipal e conquistar insatisfeitos. “Eu estava no PMDB, mas durante toda a minha vida me alinhei às ideias do PSDB”, explica, com naturalidade.

Outro ex-secretário de Paes na disputa é o deputado federal Índio da Costa, vice na chapa presidencial do tucano José Serra em 2010. Seu partido, o PSD, colocou à disposição os cargos na prefeitura em outubro e Índio, mesmo “reconhecendo as qualidades do governo atual”, como gosta de repetir, espera conquistar uma fatia do eleitorado que o leve, pelo menos, a negociar com o candidato governista em posição de força em um eventual segundo turno.

Entre os nomes já confirmados, completam o leque de candidatos o ex-deputado Cyro Garcia, pelo PSTU, e, no outro extremo do espectro político, o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC), filho do polêmico deputado federal Jair Bolsonaro. Apostando no eleitorado conservador que se mobilizou nas manifestações de rua favoráveis ao impeachment, Flávio, que tem posições ideológicas idênticas às de seu pai, se notabilizou em abril ao trocar tiros com bandidos em plena Avenida Brasil, a maior do Rio: “Fiz o que faria um homem de bem com uma arma na mão”, justificou o candidato.