EMIR SADER

Luta contra a desigualdade marcou ciclo iniciado em 2003

Fecha-se em 2016 o período mais virtuoso da história, o mais democrático, em que os governos tiveram o maior apoio popular, em que o Estado recuperou legitimidade. Um período a ser retomado

Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr

Estado recuperou sua legitimidade, em que se consagrou a liderança do Lula

O período histórico iniciado pela primeira vitória de Lula e concluído com o golpe branco representa um momento extraordinário na história brasileira. Pela primeira vez a luta contra a maior marca negativa do país – a desigualdade social – foi combatida como objetivo central dos governos. O Brasil, o país mais desigual do continente mais desigual, realizou, em poucos anos, seu maior processo de democratização social.

Saiu da ditadura mediante um processo limitado de democratização política, pelo predomínio das correntes liberais na oposição à ditadura, depois da derrota dos movimentos clandestinos. A isso se acrescentou a derrota da campanha das diretas, o que levou a sucessão ao Colégio Eleitoral construído seletivamente pela ditadura. Como uma de suas consequências, o candidato da oposição não foi Ulysses Guimaraes, seu dirigente mais importante, mas Tancredo Neves, mais moderado, cuja morte levou, paradoxalmente, a que o primeiro presidente civil depois da ditadura fosse José Sarney, ex-presidente da Arena, partido da ditadura, que havia dirigido a campanha contra as eleições diretas.

A transição à democracia foi, assim, um compromisso entre o velho e o novo, políticos da oposição e outros da própria ditadura. O governo Sarney não promoveu nada além da institucionalização da democracia previamente existente. Não houve democratização da propriedade da terra, nem do sistema bancário, nem dos meios de comunicação. Em suma, não houve democratização econômica, nem social, nem cultural. Democrático, o Brasil seguiu sendo o mais desigual do continente mais desigual do mundo.

A década neoliberal, com os governos de Collor, Itamar e FHC, aprofundou a desigualdade e ainda jogou o Brasil na mais prolongada recessão econômica da sua história. Foi com a vitória de Lula, em 2003, que as prioridades começaram a ser mudadas e a luta contra as desigualdades ganhou o lugar central na ação dos governos.

Foram anos em que a maioria da população, sempre postergada, passou a ser incluída, seus direitos fundamentais passaram a ser reconhecidos. A geração de mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada reverteu a tendência de várias décadas de aumento do número de pessoas sem trabalho, os com empregos precários e ou informais. Junto com a elevação do poder aquisitivo do salário mínimo em 70% acima da inflação, representou o maior mecanismo de distribuição de renda. Ao lado disso, as políticas sociais diminuíram a desigualdade aos menores níveis da nossa história.

Entre tantos outros avanços nesses anos, esse foi o mais importante, o mais marcante, pelo peso negativo que a desigualdade sempre teve na nossa sociedade. Foram essas políticas que permitiram as vitórias eleitorais seguintes, completando quatro eleições em que os brasileiros decidiram, pelo voto democrático, sua preferência pelo modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

Foram essas derrotas da direita e a expectativa segura de que elas seguirão, ainda mais com a candidatura do Lula, que a levou a buscar o atalho do golpe, para tirar do governo o partido que o povo tinha escolhido e reiterado que deseja que governe o país.

Fechou-se assim o período mais virtuoso da história, porque o mais democrático, aquele em que os governos tiveram o maior apoio popular, em que o Estado recuperou sua legitimidade, em que se consagrou a liderança do Lula.

Um período que pode ser retomado, porque as necessidades da população por políticas sociais aumentam ainda mais, com as políticas antipopulares do governo golpista, e porque a liderança do Lula é reiterada como a única com grande respaldo popular. Porém, ela exige grande processo de politização popular, que só pode se dar com novos objetivos de futuro, que deem continuidade, mas de forma distinta à do passado, àquele momento vitorioso de conquistas democráticas e populares, de política externa soberana, e de maior autoestima que os brasileiros já viveram.