saúde

Reparação ainda que tardia

Governo vai indenizar pessoas com deficiência física causada pela talidomida. A droga foi retirada das farmácias em todo o mundo em 1961, menos no Brasil, onde continuou fazendo vítimas

Roberto parizotti

Claudio sofreu preconceito na escola e no mercado de trabalho. Hoje é funcionário público em São Bernardo

Em 1960, quando se comprovou que um só comprimido de talidomida nos três primeiros meses de gravidez bastaria para causar malformações nos membros da criança em gestação, a mãe de Claudio José Peracini havia consumido o medicamento. Foi estimulada por uma patroa, médica, também grávida, que o tomava sem saber de nada. Funcionário público de São Bernardo do Campo (SP), hoje com 48 anos, Claudio conta que entre os 2 e os 15 passou por dez cirurgias nos braços malformados. “A escola não queria me acolher e, mais tarde, enfrentei o preconceito no mercado de trabalho. Muitas vezes fui atrás de vagas de emprego anunciadas e, quando olhavam para mim, diziam que tinham acabado de ser preenchidas”, relata.

Claudio e outras vítimas brasileiras da talidomida serão indenizados por dano moral. Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, sem vetos, a Lei nº 12.190, proposta pelo senador Tião Viana (PT-AC), que prevê o pagamento, ainda em 2010, de valores entre R$ 50 mil e R$ 400 mil. O cálculo, do Instituto Nacional do Seguro Social, leva em conta a gravidade da deformidade e o grau da dependência imposta ao portador da síndrome. 

Cláudia Maximino, presidente da Associação Brasileira de Portadores da Síndrome da Talidomida (ABPST), diz que o sofrimento físico e psicológico não tem preço. “Não há dinheiro que compense o que não brincamos porque nãonhamos pernas ou braços, o acesso difícil à escola, ao trabalho e aos relacionamentos devido ao preconceito”, explica. Porém, a indenização é o reconhecimento, pelo poder público, da omissão que produziu tantas deficiências e o reembolso de gastos com a saúde, que aumentam com o passar do tempo. “A idade agrava as consequências da deficiência, que exigem mais medicamentos, terapias e cuidados”, diz Cláudia. 

A droga foi desenvolvida em 1954, na Alemanha. Como se mostrou eficaz também contra náuseas comuns no início da gravidez, passou a ser utilizada em 146 paí­ses a partir de 1957, época em que surgiram muitos casos de focomelia, o encurtamento dos membros ou sua aproximação junto ao tronco. Ao atravessar a placenta, a substância pode afetar ainda a visão, a audição, a coluna vertebral e, em casos mais raros, o funcionamento do tubo digestivo e do coração. 

Em 1961 a talidomida foi retirada do mercado em 145 países. Por aqui, a proibição ocorreu em 1965, ano em que foram descobertas novas aplicações, como o tratamento de sintomas da hanseníase. Por isso – e pela desinformação, automedicação, descontrole na distribuição, omissão do Estado e poder econômico dos laboratórios – nunca deixou de ser usada indiscriminadamente. Tanto que em 2006 nasceram seis crianças com a síndrome.

Enquanto em outros países as ações indenizatórias contra governos e fabricantes começaram já em 1961, no Brasil tiveram início só em 1976. Em 1994, as mulheres em idade fértil foram proibidas de tomar talidomida e, em 2003, o país finalmente criou uma lei que controla o uso da droga-símbolo da maior tragédia da medicina de todos os tempos. 

Saiba mais 
www.talidomida.org.br
www.thalidomide.org (com informações em português)