lalo leal

Eleições de 2018 são as mais ‘inéditas’ da história do Brasil

Nunca o país teve um pleito tão cheio de interferências externas. Desde o impeachment de Dilma, até a integração de parte do eleitorado ao crescimento global do fascismo

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uso em proporções nunca vistas do WhatsApp para divulgação de mentiras interferiu nos resultados do primeiro turno

Estamos às vésperas do segundo turno de uma eleição inédita na história brasileira. Nunca tivemos um pleito tão cheio de interferências externas como o deste ano. A começar pelo golpe de 2016, responsável por retirar da disputa uma das suas funções básicas, a alternância normal do poder. Se estivéssemos num país democrático quem deveria neste momento estar se preparando para passar a faixa presidencial ao seu sucessor seria a presidenta Dilma Rousseff. Também não estaria alijado da disputa o candidato apontado por todas as pesquisas como vencedor no primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É uma eleição marcada pelo arbítrio.

A articulação da mídia com setores do Judiciário levaram a formação de um bloco político com o objetivo de determinar por antecipação o resultado eleitoral. A estratégia baseava-se no impedimento do ex-presidente Lula, na criminalização do PT e na construção de uma candidatura que recolocasse a direita no poder. Dos três objetivos apenas este último não se concretizou. Faltou quem liderasse o processo, unindo as correntes que se digladiavam no seu interior e, ao mesmo tempo, empolgasse o eleitorado. Tentaram Huck, flertaram com Dória e foram de Alckmin, um candidato incapaz de se viabilizar, mesmo contando com grandes recursos financeiros e amplos espaços no rádio e na TV.

Como em política não existem espaços vazios, aquele pretendido pela direita acabou sendo ocupado pela extrema-direita. Está ai outro fato inédito desta eleição. É a primeira vez que um candidato dessa corrente concorre à Presidência com chances de vitória. Em 1955, o líder integralista Plínio Salgado disputou o pleito mas obteve apenas 8,28% dos votos ficando em quarto lugar, atrás de Juscelino Kubitschek, Juarez Távora e Adhemar de Barros. Agora, com a direita tradicional esfacelada, sem lideranças e sem projetos, o país abriu espaço para o avanço extremista acompanhando uma tendência global da atualidade. Agravada pelas características pessoais do seu representante, um ex-militar de baixo escalão, inculto, com sérias deficiências cognitivas, incapaz de externar um pensamento um pouco mais elaborado. Resume-se a chavões rasteiros e agressivos a ponto de declarar a intenção de prender seu adversário na eleição atual, outro fato inédito em nossa história.

Ainda assim, com esses arroubos fascistas, conseguiu atrair uma representação política robusta explicitando o fim das esperanças de ampliação das conquistas sociais, obtidas pela classe trabalhadora a partir do pós-guerra. Havia ali de um lado a recuperação do capitalismo com fortes investimentos estatais e de outro a implantação à duras penas, de uma economia totalmente centralizada pelo Estado, apontando para a ampliação da proteção social. O esgotamento desse processo a partir dos anos 1970, fortemente marcados pelas crises do petróleo, acabou induzindo o surgimento de um remédio dolorido, o neoliberalismo simbolizado na ascensão de Ronald Reagan ao poder nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido. Na América Latina, onde as crises econômicas foram antecipadas, as respostas se deram através de ditaduras militares espalhadas pelo continente. O neoliberalismo foi a resposta ao esgotamento do crescimento das décadas anteriores acompanhada pelos ataques ao jogo democrático.

As crises dos anos 2000 mostraram que nem o neoliberalismo é capaz de salvar a crise capitalista ou, no mínimo, amenizá-la. As organizações de trabalhadores e os partidos políticos de esquerda, fortes quando a economia estava em crescimento, não têm agora mais condições para se contrapor de forma organizada a nova ordem econômica. A reação se dá de forma atomizada, fácil de ser conquistada por partidos de direita ou de extrema direita. Crescem os Le Pen na França, a Alternativa para a Alemanha, o nazista Jobbik na Hungria, sem falar em Trump, nos Estados Unidos. Ou em Rodrigo Duterte nas Filipinas, o mais identificado com o candidato brasileiro. Com o neoliberalismo fazendo água, cabe a esses partidos e aos líderes de extrema-direita garantir à força a sua sobrevivência. Para esse trabalho nada melhor que o fascismo, com suas bandeiras, palavras de ordem, milícias, prisões e metralhadoras. É essa a base de apoio do candidato da extrema-direita, representante do atual estágio do capitalismo em nosso pais.             

Por aqui a onda fascista ficou represada graças as políticas econômicas contracíclicas dos governos Lula e do primeiro mandato de Dilma, acompanhadas de programas abrangentes de proteção social. O dique começou a vazar em junho de 2013 com as manifestações de rua prontamente apoiadas e estimuladas pela mídia. Cresceu com o processo eleitoral de 2014 e abriu totalmente as suas comportas nestas eleições. Chegamos enfim ao primeiro mundo. Com uma diferença, pelo menos em relação à Europa. Lá as camadas médias mais educadas, diante do perigo fascista, impõem barreiras aos extremistas, escudadas no que ainda resta de social-democracia. O exemplo mais significativo é o da França. Aqui um ódio irracional ao PT impede que ocorra o mesmo, podendo empurrar o país para a barbárie.

Importante é perceber o desespero da mídia hegemônica diante dessa situação. Responsável direta, ao lado de parte do Judiciário, pelo golpe de 2016, vê-se agora às voltas com um candidato que, tudo indica, reviverá a censura. Como biruta de aeroporto, vira-se para todo o lado, sem saber onde se fixar, embora o seu comportamento atávico seja o de, em último caso, ficar do lado mais conservador. Já fez isso em 1964. Articulou e apoiou o golpe, saudou-o efusivamente, para depois do AI-5 ser rigorosamente censurada.

O ineditismo da atual eleição não acaba por ai. O uso em proporções nunca vistas do WhatsApp para divulgação de mentiras interferiu diretamente nos resultados do primeiro turno. Situação já vista nos Estados Unidos com Trump e no Reino Unido com o Brexit. Só que nesses países ainda havia setores da imprensa e emissoras de televisão comprometidos com a seriedade da informação. A direita venceu mas para quem desejasse havia onde procurar dados mais confiáveis. No Brasil não. A mídia, sempre alinhada ao conservadorismo, tornou-se desacreditada. Se não chegava a mentir com freqüência, insistia em elaborar um noticiário enviesado, a favor dos partidos e candidatos por ela apoiados.  O uso profissional do WhatsApp, com seus robôs de longo alcance, só fez ampliar esse enviesamento. As mensagens chegando ao aparelho individual de cada pessoa ganham uma aura de credibilidade que muitas vezes vai além do que é veiculado pela mídia tradicional. Temos uma eleição contaminada pelo volume ilegal de dinheiro usado pelo candidato extremista, outro ineditismo desta campanha.

Chegamos ao segundo turno integrados ao fascismo global, numa eleição toda distorcida mas tratada pelos meios de comunicação e encarada pela sociedade como se normal fosse. Comentaristas e editorias seguem igualando as duas candidaturas como se ambas pudessem afrontar a democracia. Pagarão caro por essa mentira. A violência está nas ruas, o arbítrio se consolida e apenas uma vitória das forças democráticas representada pela candidatura de Fernando Haddad pode abreviar um pouco o período de trevas que se avizinha.