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‘A gente está no limite e vai piorar’, alerta sanitarista da UFRJ sobre covid-19 no Brasil

Em plena curva de contágio ascendente, isolamento social é afrouxado, leitos não ficaram prontos, faltam equipamentos e o número de casos dobra a cada dois dias

Chico Batata
Chico Batata
Tragédia da covid-19 nas festas de natal e ano novo pode trazer de volta cenas de enterros coletivos como no pico da pandemia

São Paulo – O Brasil tem 52.995 casos de coronavírus e 3.670 mortes de doentes de covid-19, conforme o Ministério da Saúde registrou nesta sexta-feira (24). Foram 3.509 novos casos e 357 óbitos registrados em 24 horas. Em plena curva ascendente de contágio pelo novo coronavírus, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich anunciou a divulgação, na próxima semana, de diretrizes para governadores e prefeitos implementarem seus planos de saída do isolamento social adotados desde março nos estados e municípios brasileiros.

Em sua primeira entrevista coletiva, concedida nesta quarta-feira (22), Teich demonstrou que está mesmo alinhado com o o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que nega a gravidade da pandemia de covid-19. Em vez de auxiliares da pasta da Saúde, levou para a entrevista colegas da Casa Civil, do Turismo, da Infraestrutura, e da Secretaria de Governo. E deixou claro que o ministério está focado no sistema como um todo, e não apenas na pandemia de covid-19, que tem levado UTIs públicas a operar no limite em diversos estados onde são maiores as taxas de infecção e mortalidade pelo novo coronavírus.

Quarto estado em número de infectados, Pernambuco contabiliza 352 mortos. Sua oferta de leitos pelo SUS está próxima do limite: 97%. É o mesmo percentual do Amazonas, com 3.194 casos confirmados e 255 óbitos. No Pará a situação não é muito diferente: com 1.446 casos e 75 mortos, já tem 90% de seus leitos de UTI ocupados com doentes de covid-19. Terceiro em número de casos (4.800) e de mortos (284), o Ceará chegou a ter 100% de seus leitos ocupados, mas o governo de Camilo Santana (PT) abriu 306 novos, a maioria na capital e região metropolitana de Fortaleza.

“A gente está no limite e a situação vai piorar. Os leitos prometidos não ficaram prontos em plena ascensão de casos graves. É a crônica da morte anunciada”, avalia a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ligia Bahia.

Conforme ela destaca, faltam equipamentos e profissionais de saúde em diversos equipamentos de saúde e muitas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) estão sendo convertidas em atendimento exclusivo, desguarnecendo a população para outras demandas. “Muitos pacientes chegam em estado grave, não tem vaga, faltam respiradores, há muito estresse entre os profissionais de saúde”.

Segundo estatísticas, de todos os infectados pelo novo coronavírus, 14% vão necessitar de atenção hospitalar e 5% de atendimento intensivo. A quantidade de leitos de UTI, segundo o Ministério da Saúde, são suficientes para atender a população nacional, claro que excluindo a pandemia. Mas há um problema: a concentração desses leitos. As regiões Norte, Nordeste e norte de Minas Gerais têm déficit de leitos – por isso enfrentam os atuais problemas. Essa desigualdade na distribuição explica as dificuldades enfrentadas no Amazonas, Pará, Pernambuco e Ceará.

Aglomeração

Algumas localidades já se anteciparam às diretrizes em elaboração no Ministério da Saúde. O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL) liberou o funcionamento do comércio de ruas, hotéis e pousadas desde o dia 13. Na quarta-feira (22), o Shopping Center Neumarkt, em Blumenau, reabriu. Teve até saxofonista contratado para atrair mais público. A aglomeração foi tanta que a Defensoria Pública foi à Justiça. No dia seguinte o shopping foi notificado e terá de adotar medidas, como limitar a entrada de pessoas e não realizar nenhum tipo de show.

“É também uma questão de valores, uma disputa entre aqueles que defendem a vida e aqueles que acham a vida das outras pessoas insignificante”, disse ontem (24) em entrevista ao Blog do Miro o presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos.

Segundo o dirigente, que mora em Florianópolis, ao considerar o que têm mostrado a ciência, a experiência de outros países que tiveram grande número de mortes pela covid-19 e mesmo os alertas do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), que já estimava colapso do sistema de saúde para o final de abril e começo de maio, as perspectivas não são nada boas.

“Não se pode negar o que a ciência já conhece do comportamento do novo coronavírus, da sua virulência. O que choca é a incapacidade de se enxergar algo tão óbvio como o fato de o vírus não respeitar fronteiras. Diante das valas abertas em Manaus, em Fortaleza, as que começam a ser abertas no Rio de Janeiro, está ainda a curva exponencial que vai levar ao colapso. O sistema de saúde brasileiro é marcado pela concentração de leitos em grandes cidades. Temos de respeitar o que já se conhece sobre o vírus, fazer as intervenções necessárias, o distanciamento social, testar, ter o estado intervindo para achatarmos a curva de contágio. Se não achatar, não vai haver opção ao sistema, aos profissionais de saúde, aos cemitérios”, disse Ronald.

Para o ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, Teich á mais um “mensageiro da morte” dentro do governo Bolsonaro. “Até agora, ele sequer mencionou a palavra SUS. Está mais para economista do setor de saúde”. Santos está convencido de a atual situação está unindo diversos setores à construção de um leque de questionamentos que levará à consolidação de um “basta”. “Acho que a gente consegue construir na dor uma força social e política que possa impedir mais barbárie”.

Shopping Neumarkt, em Santa Catarina, atraiu muita gente, causou aglomeração e foi notificado pela Justiça. (Foto: Reprodução)

‘Quem morreu, morreu’

No mesmo dia em que Teich comunicou que estava em desenho no Ministério da Saúde o fim do isolamento social combatido pelo ex-ministro Mandetta, o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, criticou em entrevista o governo Bolsonaro.

“Não queremos para os nossos cidadãos a estratégia do ‘quem foi contaminado, foi contaminado, e quem morreu, morreu’, adotado em países como o Brasil”, disse.

Mais veemente e indignado, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), cobrou postura, decência, dignidade, solidariedade e humanidade do governo durante entrevista nesta sexta-feira (24) ao jornalista Inácio Carvalho, do portal Vermelho. “Neste momento há centenas de brasileiros perdendo a vida, centenas de famílias chorando, milhares de profissionais de saúde sofrendo, em condições dificílimas. Mas o governo está preocupado com as brigas que Bolsonaro cria em seu próprio proveito e de seus filhos. Então isso mostra que após a crise do coronavírus será preciso encontrar saídas institucionais para o Brasil”, disse.

Ao destacar o lado negacionista do governo em relação à pandemia, disse que o minimizar a crise sanitária trata as mortes como se fossem uma fatalidade. Acredita que as pessoas estão perdendo a vida com algo inevitável, mas não é. Nós podemos e devemos prevenir, lutar, prover meios o máximo quanto possível. Claro que não vai se obter 100% de êxito, mas o que se exige do presidente da República é que nesse momento esteja em Manaus”, cobrou Dino.

O governador do Maranhão ainda desafiou o governo federal a prestar auxílio aos gestores estaduais e municipais em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus.

“Por que não está (Bolsonaro)? Por que o ministro da Saúde não está lá? Que indiferença é essa? Que desumanidade é essa? Será que não poderiam, não deveriam estar la, um ou dois dias, ajudar o governo do Amazonas, a prefeitura de Manaus. Me refiro a esse estado mas poderia ser qualquer outro. E o presidente da República nem fala nisso. Isso é uma indecência. Uma indignidade. Um desrespeito à população do amazonas e a todos os brasileiros. Por que ele não vai? Tem de ir. E não ficar passeando em padaria, ficar fazendo aglomeração, passeata com gente que quer destruir a democracia. Tem de ir lá, ser solidário. Não é papel do presidente da República ignorar tragédias e ficar com pauta de interesse pessoal”.

Confira dados sobre casos de covid-19 e de leitos de UTI do SUS por estados


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