Letalidade bolsonarista

Liberação da cloroquina é uma ‘irresponsabilidade’, diz presidenta da Abrasco

Gulnar Azevedo e Silva contesta recomendação do governo Bolsonaro e diz que o uso do medicamento pode ser um risco maior. “É uma ilusão pensar que a cloroquina vai resolver”

Marcello Casal Jr./EBC
Marcello Casal Jr./EBC
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São Paulo – O protocolo, divulgado nesta quarta-feira (20), para prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina aos pacientes infectados com a covid-19 é “no mínimo uma irresponsabilidade” que não prioriza ou segue as evidências científicas e as experiências de outros países para o tratamento da doença causada pelo novo coronavírus. A avaliação é da docente do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Gulnar Azevedo e Silva. 

Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, a especialista comenta a decisão do Ministério da Saúde que, sem assinatura de médico responsável e com autoria desconhecida, publicou nova diretriz recomendando o uso das drogas desde os primeiros sinais da covid-19. Com estudos incipientes e muitos deles apontando complicações cardíacas, será, no entanto, o próprio paciente que se responsabilizará pelo uso da cloroquina.

Defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro como a “cura certa”, os medicamentos podem ainda causar muitos efeitos colaterais, como adverte a presidenta da Abrasco. 

“É um risco altíssimo para as pessoas receberem a informação de que ele foi liberado para casos leves de covid-19. Porque casos leves podem não evoluir”, pontua. “Tomar a cloroquina pode ser um risco maior do que os efeitos daquele caso que não ia evoluir. É muito preocupante”, contesta Gulnar. 

Houve indução

De acordo com a docente, o governo Bolsonaro, deveria nesse momento estar preocupado com outras medidas, entre elas as de proteção social para que os trabalhadores possam cumprir as medidas de isolamento. Na contramão disso, o presidente é contundente na defesa das substâncias. Reportagem do jornal O Globo desta quarta (20) aponta que o estoque de cloroquina no país aumentou 30%. E o Exército contribuiu para esse volume, produzindo 1,25 milhão de comprimidos.

Nesta quarta ainda, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse em entrevista à Globonews que o governo Bolsonaro também pressionou para que houvesse mudança na bula do remédio, uma atribuição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – órgão independente. O uso da cloroquina era rechaçado por Mandetta que foi demitido da pasta, assim como pelo médico Nelson Teich, que deixou também o cargo após 26 dias.

“Houve uma indução sim de fabricação”, crítica a presidenta da Abrasco. “Tanto que as pessoas que precisam da cloroquina, que fazem uso contínuo para tratar seus problemas de saúde, com prescrição do médico e acompanhamento, tiveram dificuldade em encontrar nas farmácias no começo. E há outras pessoas que acabaram comprando para se prevenir da covid-19. Não há prevenção para isso, a única prevenção neste momento é as pessoas entenderem a necessidade do distanciamento social”, ressalta. 

Reação dos médicos e entidades

A opinião da especialista também encontra respaldo junto aos pesquisadores da Academia Nacional de Medicina, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e de outras entidades que se posicionaram contra a liberação da cloroquina e da hidroxicloroquina por risco, inclusive, de maior letalidade. 

A secretaria de Saúde do Distrito Federal, por exemplo, já informou que não seguirá a recomendação do ministério. E que o uso do medicamento na rede pública continuará restrito aos casos graves da doença. Gulnar reforça a posição da pasta. “Espero que esses gestores possam seguir realmente o que a saúde pública está falando. Seguir o que a gente tem observado como sendo evidência científica e de proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS).”

A especialista finaliza advertindo que Bolsonaro cria maiores cisões, quando o momento pede união e esforços conjuntos da federação, estados e municípios para controle da pandemia e dos problemas econômicos e sociais por ela agravados. “É uma ilusão pensar que a cloroquina vai resolver”, lamenta. 


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