Caótico

Brasil se aproxima de 100 mil mortos pela covid-19. Mudanças são urgentes, diz Fiocruz

“Precisamos de mudanças urgentes na condução da epidemia, a começar pelo nível federal, não descartando possível impeachment do presidente Jair Bolsonaro”, sustenta epidemiologista

Andrés Díaz
Andrés Díaz
Quase 70% das mortes pela covid-19 no Brasil ocorreram após a flexibilização das medidas de isolamento social

São Paulo – O Brasil registrou nesta quarta-feira (5) mais 1.469 mortos pela covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, nas últimas 24 horas. Com os novos registros, já são 97.288 vidas perdidas desde março, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Já o número de casos segue com grandes registros diários. No último período, foram 56.951 novos doentes, totalizando 2.858.872. Enquanto a pandemia segue sem controle no país, governadores e prefeitos promovem flexibilizações em medidas frágeis de isolamento, impostas nos últimos meses.

Para o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz no Amazonas (Fiocruz) Jesem Orellana, o abandono dos cuidados é precipitado e preocupante. “Algo inaceitável”, afirma. “É como se nos lançássemos em mar aberto a dez quilômetros de distância da praia, mesmo sabendo que só podemos nadar por alguns metros ou poucas centenas. Esses resultados demonstram, de forma contundente, o grave equívoco cometido pelo Brasil e seus entes federados ao autorizarem a retomada gradual das atividades econômicas.”

“Não por acaso, em julho de 2020, o Brasil foi o país que registrou o maior número de mortos pela covid-19 no planeta, em torno de mil mortes diárias. Falhas graves como essa além de causarem irreparáveis perdas humanas, também contribuem para o aprofundamento e prolongamento da crise econômica, com consequências muito piores do que em países que têm administrado o problema de forma diferente, como Argentina, Uruguai e Cuba, por exemplo”, completa.

O Brasil é o segundo país mais afetado pela covid-19 no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Na América do Sul, o Brasil se destaca negativamente. Enquanto 11 países registram pouco mais de 47 mil mortos, o Brasil se aproxima de 98 mil.

Necropolítica

Enquanto isso, o governo Bolsonaro segue ignorando a pandemia desde o início. Além de ignorar e ironizar a doença, o presidente tem grande desdém pela ciência. Jesem alega ser uma mistura perigosa. “O Brasil segue a deriva, quase seis meses depois da notificação dos primeiros casos de covid-19. Assim está sendo reescrita nossa história no século 21, de forma trágica e marcada pela narrativa subliminar da necropolítica.”

“Esse desastre sanitário, social e econômico, somado a crise ambiental e de queimadas no país, consolida a irreversível deterioração da nossa credibilidade internacional, pelo menos no curto ou médio prazo. Sem uma profunda mudança, em até 90 dias, o Brasil pode alcançar a estarrecedora cifra de 200 mil mortos por covid-19, ignorando as subnotificações”, completa.

O especialista clama por mudanças, bem como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que vem reafirmando a necessidade de mudança de postura no país. “Precisamos de mudanças urgentes na condução da epidemia, a começar pelo nível federal, não descartando possível impeachment do presidente Jair Bolsonaro que insiste em deixar o Ministério da Saúde exposto com um chefe sem a mínima qualificação para tocar uma crise com essas proporções catastróficas.”

Precipitados

Após a reabertura precipitada e sem controle eficaz da pandemia de covid-19, os casos da doença cresceram. “Ocorreram em torno de 67 mil óbitos pela covid-19, o que representa quase 70% de todas as mortes no país desde o início deste desastre sanitário e humanitário”, comenta Jesem.

O estado mais atingido do Brasil, São Paulo, não foge à regra. No início do mês de julho, o governador João Doria (PSDB) utilizou de uma estabilidade relativa nos casos e mortes para promover o fim das frágeis medidas de isolamento impostas entre os meses de abril e junho. “Desde então, ocorreram, oficialmente, em torno de 5.400 mortes por covid-19 ou quase 56% do total ocorrido desde o início da epidemia”, analisa Jesem.

Isso significa que em um mês de comércio aberto e com flexibilização das medidas de isolamento, morreram mais paulistas do que em mais de três meses até então, entre março e junho. No Rio de Janeiro, a história se repete. “O plano de reabertura gradual do comércio iniciou no dia 2 de junho (no estado). Desde então, ocorreram, oficialmente, 4.700 mortes pela covid-19 ou quase 56% do total ocorrido desde o início da epidemia.”

As médias se mantêm em estados do Norte e Nordeste, embora em menor medida. “Em Fortaleza, o plano de reabertura do comércio iniciou no dia 8 de junho e ocorreram em torno de 1.200 mortes pela covid-19 – quase um terço do total. Em Recife, o plano de reabertura foi aplicado no início de junho. Desde então, ocorreram em torno de 1.100 mortes, ou quase metade do total desde o início da epidemia”, afirma Jesem. Em Manaus, a mesma coisa: um terço das mortes ocorreu após a flexibilização.


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