Futuro

Vacina contra a covid-19 precisa ser universal e gratuita, sem agravar desigualdade

Especialistas criticam briga por patente do medicamento e defendem a imunização como um “bem público”

Robson Valverde/SES-SC
Robson Valverde/SES-SC
'Não é admissível que grandes conglomerados farmacêuticos globais desenvolvam uma vacina e limitem o acesso, cobrando valores altíssimos', disse Sebastián Tobar

São Paulo – Algumas das mais promissoras possibilidades de vacina contra a covid-19 estão na fase final de elaboração. Entretanto, ainda há dúvidas sobre sua distribuição. Para evitar que o acesso não agrave a desigualdade social, especialistas internacionais defendem que o medicamento seja entregue de maneira universal e gratuita.

O assunto foi debatido no seminário internacional Vacinas e medicamentos para Covid-19 como bens públicos globais, na última quinta-feira (30). Os palestrantes foram unânimes sobre o tema: a vacina não pode ser limitada e, muito menos, virar briga sobre patentes.

O secretário-executivo da Aliança Latino-americana de Saúde Global (Alasag), Sebastián Tobar, usou como exemplo o virologista Jonas Salk, que descobriu a vacina contra a poliomielite, em 1955, e se recusou a patentear o medicamento. “Sabemos das imensas dificuldades para garantir acesso a todos, sobretudo nos países mais pobres, que concentram a maior parte da população mundial. Precisamos ter a responsabilidade de garantir o acesso a todos. Não é admissível que grandes conglomerados farmacêuticos globais desenvolvam uma vacina e limitem o acesso, cobrando valores altíssimos pelo produto, inviabilizando que os pobres sejam imunizados”, disse Tobar.

Vacina para todos

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jorge Bermudez lembra que a pandemia impactou todo o mundo e desmascarou as desigualdades de diversas regiões. Em São Paulo, por exemplo, o coronavírus infectou mais pessoas nos distritos ricos, mas matou mais nos pobres.

Bermudez acrescenta que desde os moradores de rua até as comunidades indígenas precisam ter acesso à imunização. Para ele, o “falso dilema” entre salvar vidas ou salvar as economias não pode permitir uma paralisação de iniciativas.

“É necessário um plano global de ação em saúde pública, que abranja inovação e propriedade intelectual, regulação, preços adequados, acesso, cobertura, compras conjuntas e abastecimento para que possamos dar uma resposta à altura desse desafio ímpar”, defendeu.

Ele ainda criticou a corrida pela descoberta da vacina entre diversos países, como Estados Unidos, Rússia e China. O pesquisador da Fiocruz lembra que essa medida é para uma apropriação da vacina, sem senso de solidariedade. “Vivemos em uma sociedade predadora e excludente. É revoltante e assustador saber que se fala em uma vacina que, de acordo com alguns fabricantes internacionais, poderá custar até US$ 40 a dose”, alertou.

‘Nacionalismo exclusivista’

O epidemiologista e pesquisador da Fundação Ifarma (Colômbia) Francisco Rossi lamenta que a batalha pelo acesso a vacinas e medicamentos possa se tornar algo excludente. Segundo ele, a pandemia é um problema global que necessita de respostas humanitárias, desvinculadas da ideia de lucro.

“Se for para voltarmos ao ‘antigo normal’ é melhor não termos vacina. Isso porque o que tínhamos, e continuamos a ter, quando vemos o nacionalismo exclusivista de países como os Estados Unidos, era um mundo desigual e com profundas iniquidades. É forçoso superar essa realidade”, lamentou.

Na avaliação do pesquisador, as multinacionais procuram formas de gerar monopólios na distribuição de medicamentos. “Também é um ótimo momento para discutirmos a questão das patentes. No caso de medicamentos, elas não deveriam existir. A propriedade intelectual representa uma barreira ao acesso a medicamentos”, acrescentou.

Latino-americanos

Os países da América Latina, em sua maior parte, não têm capacidade para produzir a vacina contra a covid-19, o que torna ainda mais importante a cooperação internacional. Para a advogada Mirta Levis, da Associação Argentina de Saúde Pública e diretora do Centro de Estudos em Saúde Global da Universidade Isalud, há chances dos latino-americanos ficarem por último na fila da imunização.

Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris), da Fiocruz, disse que o Grupo dos 77, que representa países em desenvolvimento, solicitou uma reunião da Assembleia Geral da ONU para discutir o acesso universal às vacinas contra o coronavírus. Ele assegurou que a Fiocruz, que fechou parceria com a farmacêutica AstraZeneca para produzir uma vacina contra a covid-19, irá ajudar os países vizinhos a superar a pandemia. “Vamos suprir as necessidades dos cidadãos brasileiros. Mas também seremos solidários com nossos irmãos latino-americanos e dos países africanos de língua portuguesa.”

Com informações da Agência Fiocruz

Redação: Felipe Mascari. Edição: Glauco Faria


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