Entrevista

Em meio à pandemia e aos ataques do governo Bolsonaro, Deyvid Bacelar assume a FUP

Segundo novo coordenador dos petroleiros, momento atual exige união de todos os democratas, com fortalecimento das frentes que há anos já lutam pela democracia

Reprodução/Twitter
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"Com a pandemia agravou-se ainda mais a crise instalada na geopolítica mundial do petróleo", diz dirigente

São Paulo – Diretor de Assuntos Institucionais e Jurídicos da Federação Única dos Petroleiros (FUP) para a gestão 2017-2020, Deyvid Bacelar é o novo coordenador-geral da entidade. Ele assume o posto de José Maria Rangel, que se desincompatibiliza para disputar uma vaga na Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes (RJ).

A curto prazo, diz o petroleiro, seu maior desafio é “provocar a gestão da Petrobras a proteger e salvar vidas das pessoas que estão expostas à pandemia de coronavírus”. A médio prazo, a garantia de emprego com qualidade, não só na Petrobras, mas na indústria de petróleo e gás como um todo. “No pós-pandemia, vamos ter um exército de 25 milhões de pessoas desempregadas no país, segundo as projeções”, diz.

Mais a longo prazo, o grande desafio é a defesa do patrimônio público e da soberania nacional, considerando que a pauta de Paulo Guedes, ministro da Economia, e do governo de Jair Bolsonaro é a continuidade das privatizações.

No meio disso tudo, impõe-se a defesa da democracia. O dirigente afirma que essa luta exige a união da FUP a outras federações e confederações e centrais. “Há necessidade de a gente ampliar o leque de apoiadores, em defesa da democracia, contra o governo posto, o fascismo que cresce. Se a gente não aglutinar forças que consigam nos ajudar contra isso, a gente não sabe onde vai desembocar”, alerta.

Bacelar destaca que essa necessidade urgente “não anula a necessidade das esquerdas de fato fortalecerem as frentes que já existem ou até unificá-las – a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo”. Ele defende que essa frente de esquerda deve ser programática e discuta um programa de Brasil feito pelas esquerdas.

Devido à crise mundial da covid-19, a gestão atual da Petrobras suspendeu a venda de importantes refinarias do país, como Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e Presidente Getúlio Vargas (REPAR), entre outras.

O coordenador-geral da FUP destaca ainda que a política de divulgação de dados sobre a covid-19 na Petrobras “copia” a errática tentativa de Bolsonaro de esconder os dados reais da pandemia no país. Segundo ele, a estatal não informa esses dados de forma adequada.

“Hoje não se sabe quantos casos são confirmados e quantos são os óbitos. A gente sabe, por informações não oficiais, que são mais de 2 mil casos de contaminados, e chegou até a gente que são 11 óbitos, mas não temos essa informação.”.

Leia a íntegra da entrevista de Deyvid Bacelar à RBA

Em que a pandemia afeta a política da Petrobras?

Há vários impactos, que não atingem apenas a Petrobras. Com a pandemia agravou-se ainda mais a crise instalada na geopolítica mundial do petróleo. Já havia uma disputa entre a Opep e a Rússia, mais especificamente Arábia Saudita/Estados-Unidos e a Rússia. Apesar do acordo (em abril) que reduziu a produção em 10 milhões de barris por dia, ainda assim a produção continuou muito alta.

Além da oferta alta, com os preços já baixando, teve uma redução muito brusca de petróleo e derivados, jogando os preços no chão (em 20 de abril o preço do barril do petróleo na bolsa de Nova York caiu incríveis 306% e foi cotado em US$ 37,63 negativos. No mesmo dia, o preço do barril Brent, na bolsa de Londres referência para o mercado brasileiro, recuou 9%, para US$ 25,57).

Isso atinge a Petrobras, lembrando que essa atual gestão se desfez da BR Distribuidora e da Liquigás. Se já tivesse vendido as refinarias que querem vender, o problema seria ainda maior, porque o que segurou os resultados operacionais no primeiro trimestre, pegando só um mês de pandemia, foi justamente o refino.

Isso por conta dos preços praticados aqui, um pouco acima ao do mercado internacional, um preço de paridade de importação (PPI, formado pelas cotações internacionais dos produtos mais os custos dos importadores) e por conta das exportações, principalmente para a China, que já vinha saindo da pandemia. Cerca de 70% do que foi exportado da Petrobras no período foi para a China.

E nesse processo já se pode medir o impacto do emprego no sistema?

Na questão do emprego, atinge principalmente os terceirizados, e os próprios petroleiros, porque os programas de demissão voluntária (PDVs), que estão sendo intensificados. A Petrobras pressiona as pessoas para saírem agora com a ameaça de perderem os incentivos do PDV.

Mesmo sendo um problema conjuntural, que deve se reverter nos próximos dois anos, a gestão atual anuncia manutenção das privatizações e um plano de resiliência (que prevê ampliação do programa de desinvestimentos).

Este plano amplia os PDVs que já tínhamos – entre aspas, voluntariamente –, tenta aplicar a redução de jornada com redução de salários em todas as áreas administrativas e também nas operacionais, retirando pessoas de seus regimes de turnos de revezamento ou confinamento, em que as pessoas têm adicionais, e também reduz o salário dessas pessoas.

Apesar de a gestão da empresa ter tentado fazer isso sem negociação com os sindicatos e a FUP, estamos tendo vitórias na Justiça. As montadoras no ABC Paulista negociaram as condições com os sindicatos. Na Petrobras, tentaram aplicar sem negociação e estão perdendo na Justiça.

E o pessoal terceirizado?

Infelizmente  já houve várias demissões no Brasil inteiro. A gente ainda não tem isso quantificado. O Dieese está mantendo contato com os sindicatos dos terceirizados, que são ligados às áreas da Petrobras, para tentar quantificar isso, porque houve um apagão no sistema de informação do governo federal, no Caged principalmente, e está um pouco difícil pegar as informações de lá.

Apagão na informação é o que não falta nesse governo…

E isso se reflete na Petrobras. O governo federal não passa informações, e como o (Roberto) Castello Branco (presidente da estatal) foi indicado pelo Bolsonaro, tem se furtado de passar informações para a gente e para a sociedade.

Durante a pandemia tem-se necessidade de divulgação de dados dos casos conformados de covid e de óbitos, e a empresa não passa esses dados de forma adequada (leia aqui), como o governo faz agora. Hoje não se sabe quantos casos são confirmados e quantos óbitos. A gente sabe, por informações não oficiais, que são mais de 2 mil contaminados, e chegou até a gente que são 11 óbitos, mas não temos essa informação.

No processo desde o governo Michel Temer, a venda da BR Distribuidora teria sido o “desinvestimento” de maior impacto para a categoria e para o Brasil, pela importância da empresa?

A venda da BR é mais emblemática por conta da marca no posto de gasolina, e era no caso da Liquigás também. Tanto a privatização da BR quanto da Liquigás significam uma perda grande para a população. Se havia a possibilidade de controlar preços de derivados no mercado nacional, era através dessas empresas, lembrando que a Liquigás detinha em torno de 30% do mercado de GLP (o gás de cozinha) no Brasil, o que ajudava a controlar preços, e assim foi nos dois mandatos do Lula, principalmente.

Os preços ficavam fixos nas refinarias e, assim, na Liquigás. Para não perder mercado, as outras distribuidoras praticamente mantinham o que a Liquigás praticava. Com o aumento do nível de importação de derivados hoje, a própria BR, que não é mais da Petrobras, pode importar derivados, como outras distribuidoras fazem.

O impacto na população vai se ampliar se as refinarias forem vendidas. O mínimo controle do preço da gasolina e do diesel é porque as refinarias estão sob comando da Petrobras e do governo Federal.

Castello Branco é pior do que Pedro Parente ou é continuidade?

Quem comanda a Petrobras desde 2015 é o capital financeiro. O Conselho de Administração da Petrobras foi alterado em 2015 pelas influências do capital financeiro no segundo mandato da Dilma. Ali ela cede devido às pressões e a instabilidade que já havia.

Em 2016 isso se aprofunda de maneira gritante, e, com Castrello Branco, a gestão da Petrobras se volta apenas a gerar dividendos aos acionistas e pagamentos de dívidas com amortizações gigantescas para o sistema financeiro.

Estamos falando de mais de 100 bilhões de dólares nos últimos anos em amortização e juros. Isso acontece ainda mais agora, porque Castello Branco tem uma visão muito similar, da mesma escola do Paulo Guedes.

Mas agora é bem pior, porque além de ser ultraliberal ele se apoia no autoritarismo do governo federal e se utiliza das mesmas estratégias, de comunicação e de gestão. A gestão da empresa copia o que o governo Bolsonaro faz.

A luta pela democracia hoje abrangeria todos os democratas?

Sem dúvida. Para essa luta, eu não tenho dúvida. Agora, isso não anula a necessidade das esquerdas de fato fortalecerem as frentes que já existem ou até unificá-las – a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo –, mas de forma que seja uma frente programática, que discuta um programa de Brasil feito pelas esquerdas. Uma coisa não anula e nem deve anular a outra. Essas duas tarefas devem ser cumpridas neste momento.

Edição: Fábio M Michel